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Coronavírus / Linha de frente

Mulheres em combate: conheça as histórias de profissionais da linha de frente da pandemia

Enfermeiras e médicas contam as dificuldades profissionais e pessoais que precisam lidar nos bastidores da Covid-19

Beatriz Cresciulo e Naty Falla, com supervisão de Vivian Ortiz Publicado em 08/03/2021, às 11h14 - Atualizado às 13h12

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No Dia Internacional da Mulher, contamos os relatos das profissionais de saúde que atuam na linha de frente - Arquivo Pessoal e Divulgação | Reprodução/Band
No Dia Internacional da Mulher, contamos os relatos das profissionais de saúde que atuam na linha de frente - Arquivo Pessoal e Divulgação | Reprodução/Band

O Dia Internacional da Mulher, celebrado nesta segunda-feira (8), também marca um ano desde que a rotina de profissionais da saúde se transformou completamente. Sabemos que a pandemia do novo coronavírus impôs uma verdadeira luta contra o tempo, mas como elas lidam com as dificuldades pessoais e profissionais de estar neste embate? 

Atualmente, o Brasil registra os maiores índices de mortes e transmissões do Covid-19, caracterizando o pior momento da pandemia desde março de 2020. Por esse motivo, AnaMariaDigital ouviu os relatos de mulheres que estão incansavelmente batalhando na linha de frente dos hospitais públicos e privados. 

“A MAIOR DIFICULDADE? O CANSAÇO”
Keilla Mara de Freitas, infectologista do hospital Sírio Libanês, em São Paulo (SP), e diretora da clínica Regenerati


Arquivo Pessoal/Divulgação

“Nós, profissionais de saúde, entramos nessa batalha como soldados jovens, que vão para a guerra pela primeira vez, cheios de força, mas que, quando finalmente começamos a ver as loucuras do combate, e o cansaço começa a falar mais alto, toda aquela força vai se esvaindo. E ainda precisamos tirar essa força de outros lugares. Lugares que nem imaginávamos existir.” É assim que a médica infectologista explica como se sente diante das dificuldades de estar na linha de frente da pandemia de Covid-19 no Brasil. 

Acompanhando os casos desde que a doença chegou ao país, ela ressalta a maior adversidade que todos os profissionais de saúde enfrentam no dia a dia: o cansaço. “É impossível manter o mesmo gás, a mesma energia e força do início”, diz. 

Natural de Minas Gerais, Keilla estudou medicina em Cuba, lá nos anos 2000. Depois de seis anos e nove meses, retornou ao Brasil, onde realizou uma prova para revalidar seu diploma na Universidade Federal de Mato Grosso e, assim, começou a atuar como médica da família em comunidades carentes. Desde então, decidiu tratar doenças infecciosas e fez pós-graduação, iniciando o trabalho no Sírio Libanês. 

Desde o início da pandemia no Brasil, ela precisou adaptar toda a sua rotina. Casada e mãe de um menino de dois anos, Keila precisou lidar com o medo de estar diariamente combatendo um vírus até então desconhecido.

“Como todo bebê, ele precisava muito de mim, mas não conseguia ficar muito com ele, tanto pelo tempo e também porque era tudo muito novo, não sabíamos se crianças seriam um grupo de risco. Nesse início, eu exagerava nos cuidados, tinha muito medo de colocar os pés em casa e trazer riscos para a minha família. Com o tempo, não abrimos mãos das devidas precauções, mas estamos mais tranquilos”, explica Keilla. 

A médica acorda de segunda a segunda às 5h, para estar antes das 6h no hospital. Ela, que trabalha na equipe de David Uip, renomado médico infectologista, começa o turno visitando os pacientes na UTI. Depois, vai para os que estão no quarto, considerados em um estado menos crítico. Com a correria, muitas vezes ela não consegue comer direito, o que a deixa mais cansada. Depois de atender os pacientes e também atuar em seu consultório, Keilla costuma chegar em casa às 21h. 

Foram vários os casos que marcaram a médica no período, mas ela destaca a solidão das pessoas, que, por lidarem com uma doença infecciosa, precisaram se isolar dos demais familiares. “Além disso, me toca ver o remorso e arrependimento daqueles parentes que acabaram não tomando os devidos cuidados e infectaram um ente querido, que acabou evoluindo muito mal e indo a óbito. É impossível não ter esse sentimento de culpa e arrependimento diante desse cenário”, conclui a médica. 

“SENTIR QUE VOCÊ NÃO SABE O QUE FAZER”
Gabriela Valério, residente em enfermagem com especialização em pediatria


Arquivo Pessoal/Divulgação

Já faz cerca de um ano desde que Gabriela Valério, residente em enfermagem, segue na rotina intensa de trabalhar 12 horas por dia no pronto-socorro infantil, sem muitas pausas para beber água, ir ao banheiro ou descansar. Na porta de entrada do hospital, a profissional destaca que o sentimento de impotência do início da pandemia foi um companheiro constante.

“A Covid-19 era algo muito mais incerto no início. Nos sentíamos muito incapazes, olhávamos para as coisas acontecendo e precisávamos esperar, pois não havia o que fazer”, afirma. Exatamente por isso, foi bastante marcante quando a doença fez sua primeira vítima fatal na instituição em que trabalha. Ela explica que, em sua fase ativa, o novo coronavírus normalmente não é tão grave. O que causa nas crianças é chamado de MISC, uma síndrome inflamatória pós-exposição ao vírus. 

“Uma criança chegou com MISC bem no início da pandemia, mas não sabíamos ainda. Hoje em dia temos bem mais conhecimento sobre a doença do que antes. Então, vimos o caso se agravando e a gente de mãos atadas. A cena que mais me chocou foi ver essa criança isolada em um quarto de vidro, enquanto a mãe estava debruçada em cima dela, segurando um terço. Ela acabou falecendo. Isso me marcou muito”, relembra. 

A exaustão física e psicológica de permanecer em um ritmo intenso é uma barreira e tanto, mas a enfermeira relata que, apesar de todas as dificuldades, segue firme em seu principal propósito: cuidar de seus pacientes. “Eu vou pensando nas pessoas, nas crianças. Eu vou por elas, acreditando que estou fazendo a diferença e que elas precisam de mim neste momento”, assegura. 

Preocupada com a situação atual da pandemia, Valério destaca que, mesmo apresentando seus problemas, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem sido importante para que não ocorra um esgotamento total das instituições da saúde. “Estou muito assustada com essa fase porque, vendo de dentro, tenho a impressão de que vai chegar uma hora que vai colapsar tudo e vamos ter que escolher quem salvar, pensando na pior hipótese”, conta.

“VER A BANALIDADE DAS PESSOAS É ANGUSTIANTE” 
Fernanda Ribeiro Ferreira, enfermeira da rede pública, formada pela São Camilo e pós-graduada pela Unifesp. 


Arquivo Pessoal/Divulgação

Enfermeira atuante na rede pública, FernandaRibeiroFerreira tem 37 anos, nasceu na Bahia, e mora em São Paulo há 13 anos. Quando a pandemia de Covid-19 se alastrou no Brasil, ela preferiu ficar longe das redes sociais por um período, para evitar ver as pessoas vivendo “uma vida normal”, sem respeitar as medidas de proteção. 

“Vivenciar a realidade da linha de frente e me deparar com a banalidade na qual muitas pessoas encaram a situação é angustiante, abala muito a saúde emocional, principalmente quando isso acontece por pessoas do seu próprio convívio, como amigos e conhecidos”, diz. 

Há um ano, Fernanda não imaginava que os casos seriam tão intensos e relembra como foi a sensação do início de tudo. “Tive medo do desconhecido, vi o despreparo para atuação, falta de recursos humanos e materiais, infraestrutura,
sobrecarga de trabalho, profissionais emocionalmente abalados. É difícil acompanhar de perto pessoas indo a óbito, ver o sofrimento dos familiares”, relata. 

Além disso, ela também viu sua mãe, que faz parte do grupo de risco, sair de sua casa para cumprir o isolamento social em outro lugar, sem riscos. “Ela tem 83 anos e temos uma relação de muita cumplicidade e parceria. A falta do contato diário dói demais”, lamenta Fernanda. A enfermeira também precisou lidar com uma infecção e reinfecção do vírus, apesar de seus cuidados diários para evitar o contágio.

“A primeira infecção aconteceu no final de março de 2020, onde tudo ainda era muito novo. Fui tomada de muito medo, apesar do estado ser estável, sentia fortes dores no peito e em todo corpo, além do desconforto respiratório. Tinha muita preocupação em infectar a minha irmã que mora comigo, por isso o isolamento foi difícil. Ficava o dia inteiro dentro de um quarto e só saia para ir ao banheiro. Sempre tive uma rotina muito corrida. Estar naquela situação de vulnerabilidade era apavorante”, detalha. 

Já a reinfecção aconteceu em dezembro de 2020. Além dos sintomas diferentes da primeira vez, ela relata que a sobrecarga emocional foi muito grande. “Tive medo de internar e de morrer. Era Natal e não estava apenas distante de toda a família, mas doente de novo”, relembra Fernanda. “A cada dia eu me sentia pior, tanto fisicamente quanto emocionalmente. Outra irmã, que não mora comigo, fez uma ceia e deixou na porta de casa, tocou a campainha e acenou de longe. Aquela cena despertou um misto de emoções. Falava com minha mãe (ela não sabia de nada) a vontade era de chorar, só queria ter seu dengo, ser cuidada também.”

Ao falar sobre o sentimento depois de um ano de combate ao vírus, Fernanda também menciona o medo e o cansaço. “Como a maioria dos colegas que atuam na linha de frente, estou exausta. No entanto, quando se tem um propósito muito bem estabelecido -e o meu é cuidar- a cada dia renovo minhas energias, peço a Deus, ao universo, resiliência, força, resistência, empatia para continuar trabalhando com a mesma dedicação”, conclui. 

“O SENTIMENTO É DE DESRESPEITO”
Erica Mantelli, ginecologista, obstetra e especialista em saúde sexual


Arquivo Pessoal/Divulgação

A especialista em Ginecologia e Obstetrícia conta que, apesar de manter uma visão otimista do futuro, tem dificuldade em lidar com o números de mortos e infectados pela Covid-19, especialmente por conta das pessoas que não cumprem os protocolos de segurança. “A falta de empatia nos incomoda e nos sentimos desrespeitados ao ver que não entenderam e não estão levando a sério as medidas de proteção”, explica. 

Sem imaginar que a pandemia pudesse atingir um grau tão expressivo, a profissional ressalta que as principais dificuldades a serem vencidas são: se manter em segurança e adaptar o seu trabalho, marcado por afetividade, para os tempos nos quais os sorrisos são escondidos por trás de máscaras faciais. “Estar próximo aos pacientes e atuar de maneira calorosa, íntima e afetuosa, mesmo sem conseguir sorrir por conta dos equipamentos de proteção é tudo muito novo”, revela. 

Entre os muitos casos inusitados que teve de acompanhar desde o início da pandemia, a médica destaca um em especial. Na ocasião, a gestante foi diagnosticada com o novo coronavírus, o que acabou colocando a vida dela e da bebê em risco. Apenas dois dias após o diagnóstico, a doença evoluiu de forma abrupta, iniciando o trabalho de parto prematuramente. 

“A bebê nasceu e foi para UTI, assim como a mãe. Depois, com a estabilização do quadro, as duas ficaram muito bem, mas foi algo grave, pois a gestante sempre foi muito saudável e não apresentava nenhuma outra doença. Depois do Covid, evoluiu de maneira muito rápida para um caso intenso com grande potencial de mortalidade”, relata. 

Mesmo com as dificuldades impostas pela pandemia, a médica chama a atenção para o lado positivo. A especialista ressalta que, diferentemente de um ano atrás, hoje os profissionais estão munidos de mais informações. 

“Conforme o tempo vai passando, a gente vai criando maior experiência no manejo da situação e dos pacientes, e esse é o lado bom [...]. Estamos um passo além. Cada vez mais perto do fim. Me sinto esperançosa, apesar da vacina estar indo muito devagar,  tenho esperança de que nos próximos meses teremos melhores notícias”, enfatiza.

* Nós, da equipe AnaMariaDigital, agradecemos toda a luta dessas mulheres, e de todos os profissionais de saúde que atuam na linha de frente da pandemia de Covid-19. Toda nossa admiração e gratidão!