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Ela ignorou os perrengues da surdez e foi viajar sozinha pelo mundo

''Não ouvir coloca a nossa segurança em risco de inúmeras formas'', ressalta Paula Pfeifer

Beatriz Cresciulo Publicado em 29/10/2020, às 09h40

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Ela ignorou os perrengues da surdez e foi viajar sozinha pelo mundo - Arquivo Pessoal/ Instagram
Ela ignorou os perrengues da surdez e foi viajar sozinha pelo mundo - Arquivo Pessoal/ Instagram

Você já imaginou as dificuldades de ser uma pessoa surda? A escritora Paula Pfeifer lida com a questão desde os seis anos de idade, quando começou a perder a audição de maneira progressiva. Mas, apesar de todas as adversidades, ela não se deu por vencida. 

Munida do pouco auxílio que os aparelhos auditivos forneciam à sua surdez profunda, Paula decidiu se jogar em uma jornada de independência ao viajar sozinha pela primeira vez no ano de 2011.

“Dava um desânimo imaginar os perrengues que enfrentaria. Nunca pensei que um dia voltaria a ouvir através da tecnologia, então, naquela época, só me restou enfrentar os meus fantasmas, juntar coragem e tentar. Caso contrário, seria vencida pela surdez, e eu não queria isso”, relembra em entrevista à AnaMaria Digital. 

UM MUNDO DE DIFICULDADES 
Hoje, aos 38 anos, a idealizadora do projeto ‘Surdos Que Ouvem’ retomou a capacidade de escutar graças aos dispositivos eletrônicos chamados de implantes cocleares. No entanto, lembra das dificuldades que precisou avaliar no momento em que decidiu fazer as malas e viajar sozinha.

“Não ouvir coloca a nossa segurança em risco de inúmeras formas. Eu mesma quase já fui atropelada várias vezes antes dos implantes cocleares. Também precisei demais da ajuda  dos outros em várias situações”, conta.

Isso significava depender da leitura labial para se comunicar com outras pessoas, por exemplo, além de precisar de auxílio para realizar atividades tão simples para quem escuta, como fazer um telefonema e até compreender os avisos sonoros dos aeroportos e aviões. 

O destino escolhido para a estreia solo dela foi a Argentina, justamente por não ser tão longe de sua cidade natal, Porto Alegre (RS), e também pelo espanhol falado lá ser um pouco parecido com o português do Brasil.

Mas Paula não se conteve às redondezas. Depois que realizou o sonho de conquistar sua autonomia, a ativista da causa dos surdos partiu para uma viagem de 40 dias na Europa, conheceu o Uruguai, Chile e ainda destinos nacionais, como Maceió.

Foto: Arquivo Pessoal/ Instagram 

ERROS DO TURISMO BRASILEIRO 
A possibilidade de viajar ao redor do mundo somente confirmou a existência de uma questão com a qual Pfeifer já vinha lidando desde a sua infância: o Brasil não é um país acessível para os deficientes auditivos. Isso apesar de termos 10,7 milhões de pessoas com deficiência auditiva apenas por aqui. Desse total, 2,3 milhões têm deficiência severa. “Seguimos invisíveis”, lamenta. 

A autora dos livros ‘Crônicas da Surdez’ e ‘Novas Crônicas da Surdez: epifanias do implante coclear’ relata que em países como Estados Unidos e alguns locais da Europa, os hotéis apresentam recursos que facilitam a comunicação e estadia confortável de pessoas com deficiência auditiva, diferentemente do que encontramos em território nacional. 

“Se quiser pedir serviço de quarto, precisa ser por telefone. Não há nenhuma campainha luminosa. Nenhum aviso de incêndio luminoso. Nenhum despertador vibratório. Nenhum modo de se comunicar com a recepção para pedir ajuda se não for pelo telefone. E isso tudo é bizarro, com toda a tecnologia facilitadora que existe hoje”, ressalta. 

Pfeifer ainda chama atenção para o fato das dificuldades da comunicação se estenderem para o acesso à cultura e entretenimento, como museus e teatros que optaram somente pela linguagem de sinais e deixam de legendar os conteúdos fornecidos, além das prestações de serviços. 

“Operadoras de cartão de crédito só atendem por telefone.  Eu já passei pelo perrengue de perder o cartão em Paris (França) e precisar implorar para alguém se passar por mim no telefone, foi horrível”, destaca. 

COMO POSSO AJUDAR UM DEFICIENTE AUDITIVO?
Em uma realidade onde as estruturas das instituições não são criadas pensando em acolher quem lida com a surdez, o auxílio das pessoas se torna o principal recurso desse grupo. Paula dá algumas dicas para quem não sofre com a deficiência auditiva facilitar um tanto a vida de quem lida com a condição. 

“Falar sempre de frente, articulando bem os lábios. Não gritar. Cutucar a pessoa ou entrar no seu raio de visão quando quiser começar a falar com ela. Usar a tecnologia para driblar o telefone, como SMS, whatsapp e afins. Não enviar mensagens de áudio”, sugere. 

Além disso, relembrando sua experiência durante a viagem na Argentina, relata que repetir as informações também pode ser necessário: “As pessoas achavam engraçado quando eu pedia para repetir pela quarta vez mas, tirando isso foi tranquilo”, brinca.