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Regina Casé revela motivo de voltar às novelas e reflete sobre adoção

Regina Casé reflete sobre adoção e revela motivo de voltar às novelas

André Romano Publicado em 08/02/2020, às 08h00

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A atriz interpreta Lurdes em 'Amor de Mãe' - Globo/João Cotta
A atriz interpreta Lurdes em 'Amor de Mãe' - Globo/João Cotta

Após 18 anos longe das novelas, Regina Casé voltou à teledramaturgia diária. Há dois meses ela vive, em ‘Amor de Mãe’, a batalhadora Lurdes, uma mulher apaixonada pelos cinco filhos e pelos quais é capaz de tudo, inclusive não desistir jamais de procurar por um dos herdeiros desaparecido há décadas. 

Na verdade, o menino foi vendido pelo próprio pai aos 2 anos de idade. Fora da ficção, a atriz, mãe de Benedita, 30, e Roque, 6, além de avó de Brás, 2, não faria diferente. 

Segundo ela, a superproteção é o maior defeito das duas: da própria Regina e da personagem. Na entrevista a seguir, ela fala sobre isso, revela o que a motivou a voltar às novelas depois de tanto tempo e reflete sobre a adoção do caçula.

COMO TEM SIDO VOLTAR ÀS NOVELAS? 
Não imaginava que seria tão bom, com tanto cuidado, todo mundo querendo a mesma coisa, uma equipe muito amorosa. A parte mais difícil para mim foi quando meu neto ficou doente: estava viajando e tive de voltar correndo. Eu já tinha experimentado o amor de mãe, mas descobri que o amor de vó é muito mais barra.

COMO VOCÊ AVALIA OS RESULTADOS DA NOVELA QUE PROTAGONIZA? 
Bárbaro! Quando gravo, nunca assisto no monitor porque se eu olhar ali, começo a achar vários defeitos. Então, prefiro me jogar. Acho que esta personagem não pode ter nenhum momento racional. Ela é só emoção e coração. Fico muito feliz com o resultado não só do meu trabalho, mas dos meus colegas também. É bacana ver essas pessoas, que eu já acompanhava de outros trabalhos, se jogando, despidos e entregues. É lindo de ver!

QUEM É A LURDES? 
Uma mulher como a maioria das brasileiras e nordestinas, principalmente. A vida dela é trabalhar, defender os filhos e tentar dar a eles dignidade, princípios, exemplos de honestidade. Acho que ela é como a maioria das mulheres do Brasil. 

SE INSPIROU MAIS EM MULHERES DA PERIFERIA? 
Sempre que me perguntam se me inspirei em alguém especial, digo que procuro esquecer isso, pois seria injusto. Essa personagem é tão rica, complexa e bonita... Comecei a viajar com a companhia de teatro Asdrúbal Trouxe o Trombone nos anos 1970 e, desde aquela época, viajei pelos lugares mais ermos e afastados do Brasil mais profundo que se possa imaginar. Então, quando penso em uma mulher para me inspirar, chego em umas 100 delas. Se eu conseguir, colocarei coisas das 100 na personagem.

O QUE MOTIVOU VOCÊ A VOLTAR A ATUAR EM NOVELAS? 
A qualidade deste texto maravilhoso, a fotografia do Walter Carvalho e a direção artística do José Luiz Villamarim que eu sempre quis. A ficção, atualmente, é a maneira mais suave e doce para chegar e conversar com as pessoas. Elas estão muito arredias, não conseguem se ouvir. Por meio da emoção e do amor de mãe, contando com a minha atuação, acho mais fácil a dramaturgia ser uma ponte entre diferenças, algo que sempre fiz.

O QUE VOCÊ BUSCOU NA MÃE REGINA CASÉ PARA A LURDES? 
A superproteção: esse é o maior defeito das duas!

COMO TEM SIDO COMPOR UMA MULHER QUE NÃO MEDE ESFORÇOS PARA AMAR O FILHO QUE FOI VENDIDO NO PASSADO? 
Tem sido muito bonito. Gravei uma cena linda com o Humberto Carrão em que ele voltava da prisão e minha personagem sabia que amava o filho desde sempre. Ele não sabia porque sempre teve uma vida dura e difícil, nunca sentiu isso. De início, ele se assustou e se perguntou “como essa mulher gosta de mim se estou preso e fiz tudo errado? Mesmo assim ela me ama?” 

QUAL FOI A CENA MAIS MARCANTE PARA VOCÊ ATÉ O MOMENTO? 
É uma surra de emoção. Não sei como o público vai aguentar. Olha que bacana para uma atriz: leio uma cena e fico ansiosa para gravar logo porque quero ver aquilo acontecer. Eu estava morrendo de saudade de voltar a atuar, mas para deixar meu antigo trabalho, de viajar o país como apresentadora, precisava de um personagem como este para me dar coragem de largar tudo e me jogar de novo como atriz.

E O TRABALHO TEM SIDO EXATAMENTE COMO VOCÊ ESPERAVA? 
É mais ainda! Estava morrendo de medo, pois não convivo com isso há anos. Quando tinha meu programa, era a atração da Regina, com o maquiador da Regina e aqui tem outro jeito de trabalho de equipe, com muitos profissionais em volta. Eu tinha medo da readaptação. Está sendo um sonho e fui recebida da maneira mais carinhosa possível.

A MARIA BETH NIA CANTA A MÚSICA-TEMA DA LURDES, UMA SUGESTÃO DE UM SEGUIDOR DE SEU INSTAGRAM. COMO FOI ISSO? 
Quero agradecer muito a ele. Era uma pessoa com quem nem converso, que apareceu na minha rede e me mandou uma mensagem dizendo “vi que você vai fazer Amor de Mãe. Sabe qual música poderia ser a sua? Aquela Onde Estará o Meu Amor?. Combinaria tanto com a personagem procurando o filho”. Quando deu meia-noite, mandei essa sugestão para o Villamarim, com o link da música. Trinta minutos depois estava aprovada. Agradeço muito a ele, a ideia foi linda e quando a escuto me ajuda. Sou louca pela Maria Bethânia e ela foi uma das pessoas que mais insistiram para que eu voltasse a atuar. Ela sempre me disse que amava o meu programa, mas queria me ver como atriz. Esta música me embala, me carrega e puxa minha emoção.

POR CAUSA DE UM FILHO VOCÊ DESCERIA DO SALTO E METERIA O DEDO NA CARA DE ALGUÉM? 
Com certeza! 

O PÚBLICO COBRA PELA SUA VOLTA AOS PROGRAMAS DE TELEVISÃO? 
Cobra demais. Em alguns lugares, como na Bahia, quase apanho [risos]. Sempre pedem para o Esquenta voltar.  

VOCÊ LEVOU O PRÊMIO DE MELHOR ATRIZ NO 56º ANTALYA GOLDEN ORANGE FILM FESTIVAL, NA TURQUIA, PELO FILME TRÊS VERÕES. COMO FOI ISSO? 
No longa, faço uma mulher do povo e isso me orgulha muito. Não é à toa que me escolhem para este tipo de papel. O filme ganhou um prêmio no primeiro festival que participou e isso me deixou muito feliz. [No filme, Regina é Madá, uma governanta que vê a vida por meio de crises enfrentadas pelos patrões entre os anos 2015 e 2017].

QUE ANÁLISE FAZ DA SUA CARREIRA ATÉ O MOMENTO? 
Sempre trabalhei com profissionais maravilhosos e sempre escolhi as pessoas com quem trabalho. Para se jogar em cena sem maquiagem, sem pentear o cabelo, é preciso confiar em quem te cerca. Você precisa colocar todas as suas emoções que estão guardadas juntas para fora. Minha carreira sempre foi assim, seja no teatro, no cinema ou na televisão. 

O QUE VOCÊ DIRIA A REGINA CASÉ CRIANÇA SOBRE SOBREVIVER NESTE UNIVERSO MACHISTA? 
Não é mole, mas desde muito pequena, desde quando me entendo por gente, sempre entendi que não poderia deixar de fazer algo ou agir de forma diferente por ser mulher. Nunca! Acho que minha história mostra isso.

COMO DIFERENCIA A DOMÉSTICA VALDIRENE, DE QUE HORAS ELA VOLTA?, DA LURDES? 
É mais um preconceito que a gente precisa desconstruir: por que todo rico é diferente e todo pobre é igual? Por que todo sulista é diferente e o nordestino é igual? Precisamos repensar esta ideia.

POR QUE AMOR DE MÃE TEM TUDO PARA SER UM SUCESSO? 
A receita que nos abraça, em qualquer idioma, é fazer as pessoas rirem e chorarem. Se você conseguir fazer alguém ter essas duas reações com sua expressão corporal ou com seu jeito, ela sempre estará junto com você.

COMO CONCILIA AS GRAVAÇÕES COM OS CUIDADOS COM SEU FILHO, ROQUE, E O NETO, BRÁS? 
Tem sido brabo, mas me programei muito. Foi tudo pensado. Eu estava com um novo programa engatilhado, quase pronto para entrar no ar em outubro de 2018 quando fui convidada. Eu fiz esta escolha, quis me dedicar a isso e conversei em casa que sumiria [risos].

COMO É INTERPRETAR UMA MULHER ESCRITA POR UMA MULHER? 
É maravilhoso! A Manuela Dias, autora da trama, é mulher e mãe, escrevendo para outra mulher e mãe. Ela é apaixonada pelas mulheres do Brasil que têm uma luta por dia pelos seus filhos, para dar de comer a eles, protegê-los da violência... Ela faz isso de maneira linda.

TER UM FILHO PEQUENO HOJE É MUITO DIFERENTE DA ÉPOCA QUE VOCÊ TEVE SUA FILHA, A BENEDITA? 
Sim, com aspectos diferentes porque o mundo te deixa mais apavorada. Como será o mundo do Roque, que tem apenas 6 anos? Isso se tivermos um mundo ainda para ele viver. Dizem que a natureza é sábia, mas às vezes acho que, de início, ela é meio burra. Hoje sou uma mãe muito melhor para ele, ficando mais velha, do que fui para a Benedita, quando eu tinha muitos medos e inseguranças. Ficava apavorada. Acho que ser mãe mais velha é bem mais legal.  

E COMO É SER AVÓ? 
Nem queira saber! Você fica apaixonada pelo neto e pela sua filha. Vê-la virar mãe é uma maravilha. Não sou o tipo de avó que deseduca, que dá doces escondidos, sou firme e brinco muito com ele. A gente tem uma caverna feita de cobertores, brinco que ali só tem os bichos que saem de noite, como morcegos, corujas e cobras. E ele fala que vai colocar a zebra na caverna. Eu digo que não e, três dias depois, ele aparece dizendo que vai colocar a zebra na caverna. A gente tem uma relação de brincadeira e proximidade muito grandes. Já meu filho está numa fase difícil, acha que tem 16 anos. Dia desses ele sumiu no churrasco da Mangueira e disse que tinha ido ao banheiro. Perguntei por que não havia me chamado e ele respondeu: “Eu teria que ir no de mulher e eu queria ir no de homem, então, fui sozinho lá longe”. 

A GLORIA MARIA DISSE QUE LEVOU AS DUAS FILHAS DELA EM UM ANIVERSÁRIO NA SUA CASA E AS MENINAS SAÍRAM ENCANTADAS DE LÁ PORQUE ENCONTRARAM PESSOAS MESCLADAS. FOI ASSIM? 
Foi ainda mais bonito: elas não queriam ir ao aniversário porque não gostam dessas festas. Elas são negras e quando os negros migram de classe social sempre são os únicos em festas, aniversários e todos os ambientes. Quando chegaram lá, encontraram pessoas de todas as cores, classes e não queriam ir embora. A Gloria as questionou: “Mas vocês nem queriam vir”. E elas responderam: “Ah, mãe, mas aqui veio todo mundo”.

SUA PERSONAGEM TEM UM PONTO EM COMUM COM VOCÊ QUE É A ADOÇÃO... 
Sim! Costumo dizer sempre que amor de mãe é uma droga poderosíssima com a qual você pode ver e sentir coisas que não costumava sentir antes. Ser uma mãe por adoção é o contato direto com o mistério. É como colocar um plug no sagrado. Você não conhecia aquela pessoa em um dia e, no outro, eu o amava tanto quanto amo a Benedita. Era igual. Achava que seria uma construção, mas não foi. É um troço estranho que vem de um lugar maluco.