Saiba como colocar ou tirar o nome do pai dos documentos - Unsplash/Lewis Keegan
Serviço

Abandono paterno: como resolver problemas envolvendo o nome do pai na certidão?

Essa é a pergunta que afeta milhões de brasileiros. Só em 2022, 6,5% dos bebês nascidos não receberam o nome do pai

*Isabella Placeres, com supervisão de Vivian Ortiz Publicado em 08/09/2022, às 09h00

“Quando eu nasci, meu pai e minha mãe já não estavam juntos. E eu digo ‘meu pai’ com várias aspas, porque parece mais impessoal falar o nome dele, o que mostraria realmente a relação que temos. Nem é uma palavra que eu falo muito”, conta Sara de Oliveira, de 22 anos.

A jornalista recém-formada conta nunca ter tido uma relação com o pai, apesar de ter contato com o restante da família paterna e de ter o nome dele em seus documentos. No entanto, destaca que o sobrenome nunca agregou nada em sua vida, nem contribuiu para o pagamento correto da pensão alimentícia, o que fez com que se distanciasse ainda mais do progenitor.

“[Quando eu era adolescente], acreditava que, se ele não queria demonstrar carinho, afeto, vir me visitar, uma das maneiras dele mostrar interesse seria ‘ah, pelo menos ajudar você a comer’, só que isso não rolava também. Depois de um tempo, a minha mãe parou de ligar, e eu também. Às vezes minhas amigas perguntam: 'Como é o seu pai?’, [e eu respondo]: Gente, se eu vê-lo na rua é capaz de eu não reconhecer’”, conta.

REGISTRO SEM RELAÇÃO

Sara revela ainda que a falta de relação com o pai, junto da presença do sobrenome dele em seus documentos, já lhe trouxe problemas na vida adulta. Como quando precisou pedir por uma bolsa de estudos na faculdade onde frequentava, a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Para obtê-la, seria necessário reunir os comprovantes de renda de todas as pessoas que estavam em seu RG, incluindo o do pai. No entanto, a falta de contato entre os dois, junto com o desconhecimento sobre a vida um do outro, dificultou os trâmites do processo.

“Consegui um CPF e falei [na faculdade]: ‘Olha, com isso vocês procuram tudo’, e eles conseguiram encontrar o endereço, renda, se ele estava trabalhando no momento, se tinha carro... comentei: ‘Nossa, esse computador sabe mais coisa que eu’", brinca.

A jovem chegou a informar à instituição de ensino que seu pai não fazia parte de sua vida e foi instruída a assinar um documento, junto de outras duas testemunhas, para comprovar que não tem contato com o genitor. “Pensando por esse lado, talvez se ele não estivesse no RG, eu não teria todo esse problema”, pondera.

MAS DÁ PARA FAZER ISSO?

Consultada por AnaMaria Digital, a advogada especialista em cartórios Daniela Freitas informa que os trâmites de retirada do sobrenome do pai - em que se enquadra o caso de Sara - podem ser realizados facilmente nos dias de hoje: “Podemos retirar qualquer sobrenome, mas não será retirada a paternidade. Tem pessoas com relações mais difíceis com o pai e aquele sobrenome acaba sendo um peso, e ela não é obrigada a carregar”.

A especialista ainda esclarece o passo a passo para a retirada: “Basta ela ir a qualquer cartório do Brasil, abrir um procedimento de exclusão da retificação de sobrenome e, sem nenhuma explicação do porquê, vai pedir para que seja retirado o nome. Vai constar quem é o pai, mas ela não vai precisar carregar esses seus documentos na sua vida pública. E não vai precisar do pai nesse momento, é totalmente independente”.

A medida, no entanto, só é válida a partir dos 18 anos. Quando o filho é menor de idade, a mãe pode encontrar algum problema em documentos que precisam da assinatura de ambos os progenitores. Neste caso, o assunto terá que ser levado a um juiz, explica a advogada.

FALTA DO REGISTRO PATERNO

A falta do nome paterno nas certidões do filho, no entanto, também pode trazer uma série de problemas legais, principalmente no que diz respeito aos direitos do herdeiro.

E no Brasil, esse é um problema recorrente: só nos sete primeiros meses de 2022, 6,5% dos bebês nascidos foram registrados sem o nome do pai, de acordo com informações disponíveis no Portal da Transparência do Registro Civil. Isso equivale a mais de 100 mil crianças.

Freitas explica que isso pode ser um empecilho para que os filhos consigam ter acesso aos direitos assegurados por lei, como: pensão alimentícia, no caso de divórcio; inclusão no plano de saúde; sucessão, em caso de falecimento; pensão por morte, ao ser considerado como dependente perante o INSS.

Sobre a pensão alimentícia, a advogada destaca a importância de entrar com um pedido na Justiça: “Sem uma sentença judicial, é muito difícil qualquer pensão alimentícia ser executada. Muitas vezes a mãe não quer ter um problema judicial e acaba não pedindo pelos direitos do filho, mas fica muito dependente do homem sem ter ferramentas de execução para cobrar”, observa a advogada.

Ela informa que o pai é obrigado a pagá-la a partir do momento em que há uma sentença judicial determinando isso e, no caso de não pagamento, há ferramentas legais para cobrar o retroativo: “Se, por exemplo, em fevereiro de 2022, o juiz sentenciou a pensão alimentícia e o pai não pagar, ele vai ter que pagar o atraso”.

Além disso, ela destaca que, no geral, a medida é válida até que o herdeiro complete a maioridade. No entanto, há alguns casos nos quais a pensão pode ser estendida - por exemplo, se a pessoa fizer faculdade, o benefício pode durar até o momento em que ela terminar os estudos. Tudo depende do acordo feito durante o julgamento.

Em relação aos meios utilizados para incluir o nome do pai na certidão, a especialista diz que é necessário haver o reconhecimento por parte do homem: “Para colocar o nome do pai [no da criança], ele tem que vir a registrar o filho. Mesmo que depois do nascimento seja registrada só com o nome da mãe, inclui-se o nome do pai com o procedimento de reconhecimento de paternidade, se for a vontade de todos”.

Mas, se o pai recusar-se a reconhecer o filho, o nome dele ainda pode ser incluído no da criança, por meio de um processo judicial. Neste caso, a mãe vai até o cartório, indica quem é o pai e isso abre um processo de reconhecimento de paternidade, que é encaminhado ao judiciário.

TODO MUNDO PRECISA ESTAR DE ACORDO

O contrário, no entanto, não se aplica: se um pai ausente quiser reconhecer tardiamente sua paternidade, é necessário o consentimento do filho, quando este for maior de 18 anos, ou o da mãe, quando for menor de idade.

Freitas comenta que, para além dos problemas legais, estão as questões emocionais: “Emocionalmente a gente sabe o quanto é importante ter esse vínculo, essa relação de afeto, não apenas o nome do pai na certidão. Tem muita gente que tem o registro, mas não tem convivência com ele, e ter o nome ali acaba não servindo para nada se ele não está presente no dia-a-dia, na formação da criança”.

Para Sara, além de facilitar com a papelada nesta entrada na vida adulta e evitar problemas como o que teve na faculdade, a exclusão do sobrenome do pai e mudança pelo da mãe está mais relacionada às relações familiares que teve - ou não - ao longo da vida.

“Ele não faz parte da minha vida, não me vê como filha, então talvez eu não o veja como pai. Talvez ele não necessite estar aqui no meu RG. E eu tentei ter alguns contatos, mas nunca partiu dele, que sabe que eu moro na mesma casa onde ele morava com a minha mãe", conta a jovem. "Além disso, tenho contato com a família, vou nos churrascos, na casa da minha vó, e ele nunca tentou uma reaproximação. Então, assim, para mim realmente não faz muito sentido”, finaliza.

certidão de nascimento Abandono paterno nome do pai

Leia também

Pode dormir com lentes de contato? Mitos e verdades sobre o uso


Pernas inchadas: por que sofremos com isso, como tratar?


Cólicas menstruais: 5 maneiras de aliviar as dores e deixar esse período mais confortável


Febre Oropouche: o que é, sintomas e tratamento; conheça a doença similar à Dengue


Existe intervalo ideal entre as gestações? Famosas "emendam" gravidez


Como trocar doces por opções mais saudáveis?