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Redes sociais e "adultização" precoce das crianças: como lidar?

Exposição das crianças à Internet traz prejuízos à infância

Adultização precoce preocupa especialistas - Unsplash
Adultização precoce preocupa especialistas - Unsplash

É um fato! A infância está enfrentando desafios sem precedentes. O excesso de telas, o acesso à Internet e introdução ao mundo das redes sociais precocemente tem trazido à tona um fenômeno chamado "adultização precoce". E, não se trata de crianças agindo como adultos ou se envolvendo em atividades maduras, mas sim da crescente influência de Youtubers e TikTokers somada à ansiedade contemporânea, acelerando processos prejudiciais. 

Crianças cada vez mais jovens estão o tempo todo com smartphones e tablets, expondo-as a conteúdos e interações que podem ser prejudiciais para seu desenvolvimento emocional e psicológico. Plataformas como TikTok e Instagram, por exemplo, são frequentemente palco de competições de popularidade e padrões de beleza irreais, que podem levar a uma busca desenfreada por validação e aceitação.

Para tentar frear essa realidade, é fundamental que os pais e responsáveis, educadores e a sociedade como um todo reconheçam esses perigos e tomem medidas para proteger as crianças. Isso inclui estabelecer limites claros para o uso de dispositivos eletrônicos, monitorar de perto a atividade online e promover uma cultura de comunicação aberta e apoio emocional. Além disso, as empresas de tecnologia e as autoridades reguladoras devem assumir a responsabilidade de criar ambientes online mais seguros e saudáveis para as crianças.

De acordo com especialistas, a antecipação de experiências e responsabilidades próprias da vida adulta acaba afastando as crianças de exercícios naturais e essenciais para o desenvolvimento de processos cognitivos, habilidades motoras e linguísticas, além de comprometer as relações afetivas da criança. Para a psicóloga do Colégio Positivo - Londrina (PR), Renata Moraes Constante, o processo de adultização da infância tira da criança um importante espaço, colocando-a no papel de "mini adulto". Isso resulta em consequências negativas que podem afetar toda a vida da criança, como transtornos depressivos e ansiedade. "Tudo isso prejudica a socialização, estimula o materialismo e consumo excessivo, promove a baixa autoestima, sentimentos de inadequação e até mesmo o amadurecimento sexual precoce", alerta. 

E para falar um pouco mais sobre o assunto, nossa coluna de hoje traz a opinião de psicólogos e outros profissionais que podem ajudar nesse desafio.

Skincare e busca por cosméticos por crianças gera um alerta sobre consumo digital - FreePik

POR QUE ANTECIPAR O TEMPO?

O caso das invasões de meninas em lojas de cosméticos de luxo, como Sephora, mostrou apenas a ponta do iceberg de uma tendência alarmante: a adultização da infância e os perigos associados a ela.

Para a psicóloga Adriana Severine, especialista em terapia cognitivo comportamental , a adultização da infância representa um fenômeno preocupante que pode ter diversos perigos. “Ao serem expostas prematuramente a conceitos, responsabilidades e pressões próprias da vida adulta, as crianças enfrentam um desequilíbrio em seu desenvolvimento emocional e psicológico. Isso pode resultar em uma série de problemas, como ansiedade, depressão, baixa autoestima e dificuldades de relacionamento. Além disso, a adultização pode privar as crianças da oportunidade de explorar e desfrutar da fase própria da infância, limitando sua criatividade, imaginação e capacidade de brincar e aprender de maneira saudável”, diz. Ela, pontua, ainda, que para a criança que passa por esse processo precocemente, os perigos na adolescência e início da fase adulta são amplificados. “Elas podem enfrentar uma maior vulnerabilidade a comportamentos de risco, como o uso de drogas, álcool, envolvimento em relacionamentos abusivos e exposição a situações perigosas, devido à falta de maturidade emocional e habilidades de tomada de decisão desenvolvidas durante a infância”, comenta.

A infância é um período essencial na vida de um indivíduo, pois é quando ele adquire concepções psicológicas e morais que o acompanharão pelo resto da vida. Introduzir elementos do universo adulto nessa fase, sem a maturidade emocional para compreender plenamente o que está acontecendo, torna esse indivíduo vulnerável. Renata ressalta que a mídia tem desempenhado um papel influenciador nesse processo. "O estímulo às vezes ocorre de forma sutil e quase imperceptível, portanto, é fundamental que os pais estejam atentos a essa questão", destaca a psicóloga. Para ela, o papel da família é crucial nesse momento. "É preciso observar com atenção o comportamento, o vocabulário, a forma como a criança se veste, analisar se a quantidade de atividades na agenda da criança é apropriada para sua idade e verificar se há uso excessivo de dispositivos eletrônicos e isolamento social", detalha. Ela também oferece algumas dicas para os pais. "Procurem retomar hábitos e costumes que permitam à família aproveitar a infância dos filhos de maneira  saudável. Invistam em brinquedos adequados para a idade, aqueles que são simples e permitem que a criança seja a protagonista. Tentem diminuir o uso de telas e eletrônicos e incentivem o convívio com outras crianças, frequentando espaços lúdicos, como parques e praças. E, acima de tudo, dediquem tempo de qualidade em família, conversando e orientando os filhos", comenta. 

A coordenadora pedagógica da Educação Infantil do Centro Pedagógico do Colégio Positivo, Hannyni Mesquita, observa que a adultização ocorre quando se diminui o tempo dedicado ao brincar, ao faz de conta, ao tédio e aos conflitos próprios da infância. "Não podemos subestimar a importância do brincar e do exercício da imaginação na vida de uma criança. A brincadeira é a ferramenta mais poderosa para que ela reinterprete o mundo, crie enredos, vivencie um espaço seguro e se prepare para os desafios que enfrentará na vida real, descobrindo e desenvolvendo-se em todas as áreas. Essa é a linguagem da infância", explica. A coordenadora também faz um alerta sobre o uso excessivo de telas nessa fase da vida. "É fundamental que os pais definam limites claros para o uso de tecnologia. Isso não é fácil, mas é possível. O ideal é começar com pequenos acordos e mudar a cultura da própria família. Os pais devem aproveitar e dedicar tempo de qualidade para atividades em família que permitam uma conexão mais profunda, incluindo tempo para ouvir as preocupações da criança", completa.

Em um mundo tão acelerado, a pedagoga lança, ainda, uma reflexão: "Que pressa é essa que nos impulsiona a acelerar o processo de amadurecimento das crianças?". Para ela, é preciso com urgência repensar as prioridades e desacelerar. A humanidade avança de forma notável nas áreas da tecnologia, ciência e saúde, a fim de prolongar a vida e a velhice de maneiras inimagináveis. No entanto, em meio a essa busca incessante por estender o tempo de vida, o valor intrínseco e inestimável da infância está sendo negligenciado. "Estamos roubando de nossas crianças a fase mais importante do desenvolvimento humano. A infância é o solo fértil onde as sementes da imaginação, da solidariedade, da criatividade florescem; é um período de descobertas e aprendizado que não pode ser estendido artificialmente. Precisamos reservar tempo para nutrir e proteger essa preciosidade, pois a verdadeira riqueza de uma sociedade reside na capacidade de suas crianças explorarem e viverem plenamente essa fase única da vida", completa.

SUPEREXPOSIÇÃO TAMBÉM PREOCUPA

Além do “amadurecimento” precoce, esse processo traz ainda outro perigo, a superexposição. Afinal, habitualmente, essas crianças, na busca pelo desejo de se tornarem influenciadores, inundam as redes sociais, revelando um padrão perturbador de comportamento. Ou seja, a adultização também corrobora na pressão para se encaixar em padrões de beleza inatingíveis.

Um dos “locais” que há maior engajamento atualmente é pelo TikTok, com suas dancinhas e desafios. E aí que fica a questão: como pais, devemos proibir ou aconselhar? Depende do contexto e da maturidade da criança. “É importante que os pais estejam envolvidos na vida digital de seus filhos, orientando-os sobre os perigos potenciais, como exposição a conteúdos inadequados, cyberbullying e manipulação de imagem. Ao mesmo tempo, é fundamental promover o uso responsável da plataforma, incentivando o compartilhamento de conteúdo positivo e seguro”, sugere Adriana.

Outro ponto importantíssimo, que perturba os pais, é sobre a adultização levar a erotização precoce. Sim, isso pode acontecer. Afinal, ao expor as crianças a padrões de beleza irreais e sexualização prematura através da mídia, redes sociais e influenciadores, elas podem desenvolver uma percepção distorcida de seus corpos e sexualidade. E isso pode resultar em problemas de autoimagem, distúrbios alimentares e comportamentos sexuais inadequados durante a adolescência e a vida adulta.

MENOS TELAS, MAIS INFÂNCIA

A adultização traz, ainda, mais problemas, como bloqueios mirins, cyberbullying e outras formas de assédio nas redes sociais. A ansiedade de serem aceitas e populares no mundo online, muitas vezes, leva à comportamentos prejudiciais e à perda da inocência da infância. Estudos mostram que o uso excessivo das redes sociais (ou seja, de telas) pode levar a problemas de saúde mental, como ansiedade, depressão e baixa autoestima, especialmente entre os mais jovens, cujas mentes ainda estão em desenvolvimento.

Mas como podemos ajudar nossos filhos a terem uma dependência menor de tablets, celulares e computadores? “Os pais podem orientar os filhos sobre os perigos do excesso de tempo em frente às telas através de uma abordagem equilibrada. Isso inclui comunicação aberta sobre os riscos reais associados ao uso excessivo de dispositivos eletrônicos, como problemas de saúde física e mental, isolamento social e exposição a conteúdos inadequados. Além disso, é importante estabelecer limites claros e promover alternativas saudáveis de entretenimento e interação social, enquanto se envolve ativamente na vida digital de seus filhos”, analisa Adriana.

Ela faz, ainda, um alerta importante: o papel dos pais como modelos de comportamento. “Eles devem ser conscientes de suas próprias atitudes em relação ao uso de tecnologia e mídia, pois isso influencia diretamente o comportamento e as escolhas de seus filhos. Além disso, é fundamental buscar apoio profissional, como psicólogos infantis, para ajudar a lidar com os desafios específicos relacionados à adultização e ao uso excessivo de telas”, pontua.

Abordando de maneira mais prática, Severine sugere os melhores procedimentos para proteger as crianças em relação à adultização e ao uso excessivo de telas:

1.Comunicação aberta e honesta: Estabeleça um ambiente onde as crianças se sintam à vontade para compartilhar suas experiências e preocupações. Converse com elas sobre os perigos da adultização e da exposição precoce a conteúdos inadequados, explicando de forma clara e acessível os riscos envolvidos.

2.Estabelecimento de limites claros: Defina regras e limites sobre o tempo permitido em frente às telas, o tipo de conteúdo acessível e as atividades online. Mantenha essas regras consistentes e revise-as conforme necessário, levando em consideração a idade e a maturidade das crianças.

3.Monitoramento ativo: Esteja envolvido na vida digital de seus filhos, monitorando suas atividades online e os conteúdos que estão acessando. Utilize ferramentas de controle parental disponíveis em dispositivos e aplicativos para restringir o acesso a conteúdos inadequados e proteger sua privacidade e segurança online.

4.Promoção de atividades alternativas: Incentive as crianças a se envolverem em atividades offline e saudáveis, como brincadeiras ao ar livre, esportes, artes e leitura. Ofereça opções de entretenimento e aprendizado que estimulem sua criatividade, imaginação e desenvolvimento pessoal.

5.Modelagem de comportamento adequado: Seja um modelo positivo em relação ao uso de tecnologia e mídia. Demonstre hábitos saudáveis, como limitar o tempo em frente às telas, utilizar a tecnologia de forma consciente e equilibrada, e priorizar o tempo de qualidade em família.

6.Educação sobre segurança online: Ensine as crianças sobre os princípios de segurança online, incluindo a importância de proteger suas informações pessoais, evitar interações com estranhos online e relatar qualquer comportamento suspeito ou inadequado.

7.Busca de apoio profissional: Esteja preparado para buscar orientação e suporte de profissionais, como psicólogos infantis e educadores, caso perceba sinais de que suas crianças estão enfrentando dificuldades emocionais, sociais ou comportamentais relacionadas à adultização ou ao uso excessivo de telas.

“Implementar essas estratégias ajudará a proteger as crianças, promovendo um ambiente seguro e saudável para seu crescimento e desenvolvimento”, conclui.

CRIANÇAS TAMBÉM TÊM CRISE DE ANSIEDADE

A ansiedade na infância e adolescência é um fenômeno complexo que pode afetar profundamente o desenvolvimento emocional e social das crianças e jovens. Reconhecer os sinais e sintomas é o primeiro passo para entender e lidar com essa questão de forma eficaz. Para oferecer uma abordagem completa sobre o tema, as psicólogas especialistas em saúde mental infantojuvenil, Nathalia Heringer e Ariádny Abbud, desenvolveram o livro "O Primo do Medo". A obra conta com orientações para apoiar crianças e adolescentes no enfrentamento do medo e da ansiedade. Contando a história da personagem Nena, uma menina que tem medo de tudo, o livro proporciona uma jornada de aprendizado, regulação emocional e enfrentamento.

Segundo as especialistas, a ansiedade na infância e adolescência pode se manifestar de diversas formas: “A ansiedade é rica em sinais, ou seja, é perceptível no corpo da criança que ela está ansiosa, pois ela fica mais inquieta, pode roer unhas, ter náuseas, tremedeira, coração acelerado e expressão facial de medo ou susto”, explicou Ariádny, especialista em Terapia Cognitiva Comportamental com Crianças e Adolescentes. “No geral, as crianças conseguem dizer que estão com medo e os sinais do corpo ajudam os pais a perceberem. Crianças ansiosas podem manifestar muitas preocupações, comer em excesso, se esquivar de situações, falarem muito e ficarem inquietas”, completou Nathalia Heringer, especialista em Neuropsicologia e em Terapia Cognitivo Comportamental. As psicólogas também reforçam que o conteúdo do pensamento deve ser observado, quanto mais preocupações, mais ansiedade.

É crucial que os responsáveis estejam atentos a esses sinais para oferecer o suporte necessário. Nathalia esclarece como os pais, familiares e educadores podem ajudar as crianças a lidar com o medo e a ansiedade: “Acolher as emoções sempre que surgirem, pois os sentimentos não podem ser controlados. É fundamental entender que crianças sentem medos mais fantasiosos então, ao invés de invalidar o sentimento, é importante entender que aquilo muitas vezes faz parte do desenvolvimento”. Para os jovens, Ariádny explica: “Adolescentes possuem preocupações mais realistas,  relacionados à vida acadêmica e relacionamentos, mas em ambos os casos o diálogo é a melhor forma de ajudar”. 

A seguir, as especialistas pontuam algumas dicas valiosas para ajudar os pais a lidarem com essa fase: 

Apoie no controle da respiração para regulação emocional: Antes de expor a criança ou o adolescente ao estímulo ansiogênico, ensine a respirar corretamente: respirando fundo contando até 4, pausando por 2, e soltando contando até 6. Esse tipo de respiração ajuda o cérebro a entender que está tudo bem e diminui os sintomas fisiológicos do medo. Depois que a pessoa estiver mais calma é possível pensar juntos em solução de problemas criando alternativas para enfrentar o medo.

Enfrentando o medo de forma gradual: O medo deve ser enfrentado aos poucos, nunca de forma abrupta. Após bons treinos de regulação emocional, o medo deve ser enfrentado passo a passo, a criança deve ser exposta de forma gradativa a pequenos estímulos ao mesmo tempo que regula suas emoções. Conforme ela vai conseguindo é possível aumentar o nível de exposição. Jamais force a criança a vencer o medo na marra, de uma única vez, pois não surtirá efeito positivo e pode desencadear um quadro pior. Caso os pais encontrem dificuldades, o ideal é procurar ajuda de um psicólogo infantil.

Diferenciando preocupações normais de problemas graves: A ansiedade é uma emoção normal como qualquer outra, ela nos ajuda muito mais do que atrapalha, é devido a ansiedade que nos organizamos, nos prevenimos, nos protegemos. A ansiedade se tornará grave e acarretará problemas quando sua frequência e intensidade for alta, pois assim ela levará a algum tipo de prejuízo na vida do indivíduo. Se a criança ou adolescente deixa de fazer algo, ou se relacionar devido a ansiedade, é hora de buscar ajuda.

Busque por reforço literário: O livro "O Primo do Medo", por exemplo, é uma obra que narra a história de Nena, uma menina consumida pelo medo constante. O medo da personagem é personificado pelo chamado "primo do medo", um pensamento catastrófico que a deixa ansiosa e a impede de agir como gostaria. Para enfrentar seus desafios, Nena busca ajuda de uma especialista em pensamentos para aprender a lidar com suas emoções e enfrentar gradativamente seus medos. Com uma linguagem acessível, o livro indicado para crianças a partir dos 5 anos, proporciona uma compreensão mais profunda sobre as próprias emoções e pensamentos. 

Enfrentar a ansiedade na infância e adolescência requer uma abordagem que envolve o apoio da família, e em alguns casos o apoio de profissionais de saúde mental. Com compreensão, paciência e as orientações corretas, é possível ajudar as crianças e adolescentes a superar seus medos e preocupações, promovendo assim um desenvolvimento emocional saudável e uma qualidade de vida mais equilibrada.

BUSCANDO ESTÍMULOS FORA DAS TELAS

De acordo com a última pesquisa do Panorama Mobile Time/ Opinion Box, 79% das crianças brasileiras de 0 a 12 anos passam, em média, 3 horas e 53 minutos por dia usando o celular, sendo que 44% delas têm seu próprio telefone, enquanto 35% utilizam o aparelho dos pais. O tempo médio de uso diário começa em 2 horas e 56 minutos por crianças de 0 a 3 anos de idade. Passa para 3 horas e 17 minutos na faixa etária entre 4 a 6 anos, e para 3 horas e 29 minutos pelos que têm de 7 a 9 anos, até chegar a 4 horas e 46 minutos de utilização pelas crianças de 10 a 12 anos. O período de uso está muito além do recomendado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Segundo a instituição, crianças com idade entre 2 e 5 anos devem usar celulares e tablets por, no máximo, uma hora diária. Entre 6 e 10 anos, o tempo permitido sobe para duas horas por dia. Após os 10 anos, a recomendação é de até três horas diárias.

Segundo a psicóloga Monica Machado, fundadora da Clínica Ame.C e pós-graduada em Psicanálise e Saúde Mental pelo Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein, uma rotina digital que extrapole estes limites pode comprometer todo o desenvolvimento das crianças. “As telas acabam ocupando o tempo das atividades que promovem o desenvolvimento do cérebro, do corpo, da psicomotricidade, das habilidades sociais, da estrutura psicológica e cognitiva. Isso pode impedir ou retardar a evolução natural e saudável das crianças, além de gerar risco de obesidade, alterações do sono, comportamentos agressivos e ansiosos, entre outras condições”.

Para Danielle H. Admoni, psiquiatra geral e da Infância e Adolescência, pesquisadora e supervisora na residência de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP/EPM) e  especialista pela ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), a estimulação gerada pelas telas ativa o sistema límbico no cérebro, região que envolve as emoções e o mecanismo de ganho e recompensa. “Este efeito acaba sendo registrado pelo cérebro da criança, que associa as telas ao estímulo positivo, a um meio de combater o tédio e proporcionar bem-estar. Ao desligar o aparelho, a criança olha ao redor e não encontra nada compatível à torrente sensorial que as telas oferecem”, explica Admoni. “Para piorar, muitos pais incentivam o uso das telas para evitar que os filhos fiquem entediados e, consequentemente, agitados, como se o celular ou o tablet fossem os únicos meios de estímulos à criança”, completa Monica Machado, host do podcast Ame.Cast.

Abaixo, para incentivar a criança a se desligar do universo digital e vivenciar o mundo real, as especialistas dão nove dicas importantes:

- Deixe a criança entediada: “Permita que ela mesma busque a estimulação que seu cérebro precisa. Se notar dificuldade, invente uma atividade com ela. Aos poucos, vá deixando que ela brinque sozinha, evitando criar uma dependência da sua presença”, diz Danielle Admoni.

- Motive brincadeiras que não envolvam eletrônicos: segundo a psicóloga Monica Machado, vale presentear a criança com um brinquedo novo. “Se ela quiser escolher, incentive jogos de construção, massinha de modelar, pinturas, quebra-cabeça com o tema do seu personagem favorito ou até brinquedos artesanais”.

- Invista mais nos passeios: saia de casa mais vezes com seu filho. Leve-o ao parquinho do condomínio, onde ele poderá se exercitar e brincar com outras crianças, o que é fundamental para sua sociabilização. Promova também passeios ao zoológico, peças teatrais infantis ou piqueniques em parques.

- Proponha desafios, como reorganizar os brinquedos: “Peça para seu filho escolher algo que não lhe interesse mais e sugira doar para alguma instituição de crianças. Só vale se seu filho participar deste ato. Será uma excelente oportunidade de ensina-lo a exercer a solidariedade”, aconselha Monica.

- Aposte nos livros: “A leitura, que auxilia no desenvolvimento cognitivo, socioemocional e cultural, deve ser introduzida junto com os demais brinquedos como mais um objeto de prazer e de exploração do mundo”, pontua Danielle Admoni.

- Participe da leitura: segundo a psiquiatra, caso seu filho não demonstre entusiasmo pelos livros, leia com ele. “Além de ser uma oportunidade de estarem juntos, você pode ajudar a criança a desenvolver linguagem, compreensão, imaginação, criatividade, entre outras habilidades que os livros podem proporcionar”.

- Demonstre interesse pelos trabalhos da escola: “Pergunte o que a criança está fazendo, como está fazendo e se disponha a ajuda-la no que for preciso. Além disso, elogie suas evoluções”, afirma Monica Machado.

- Crie um ‘cronograma digital’: elaborem juntos um cronograma semanal com as atividades livres e obrigatórias, incluindo o tempo dedicado às telas. “É uma forma divertida e leve de lembrar ao seu filho quando e como ele deve usar as telas, além de ensina-lo desde cedo a ter disciplina e organização com suas tarefas e responsabilidades”, diz a psicóloga.

- Use o bom senso: a prática das dicas deve ser conduzida de acordo com a idade e maturidade do seu filho. Se ele ainda não souber ler, por exemplo, aposte em livros ilustrativos, interativos ou de colorir.

“Vale lembrar que é possível que algumas crianças não respondam bem às regras sobre o uso das telas. Daí a importância de ter paciência e firmeza, não deixando se levar por manhas ou chantagens. Na realidade, será a intensidade e frequência de protesto por parte da criança que mostrará o quanto essa intervenção é necessária. O mais importante é que este processo seja natural e que a criança perceba que as mudanças propostas são positivas. Se for preciso, não hesite em buscar ajuda de um especialista”, finaliza Danielle Admoni.

Em tempo: Em última análise, a adultização da infância e os perigos da superexposição às redes sociais representam um desafio complexo e multifacetado. É hora de agir com urgência para proteger a saúde e o bem-estar das gerações futuras, garantindo que a infância seja preservada como um período de inocência, descoberta e crescimento saudável.