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Como sentir tédio pode ajudar seus filhos a serem mais felizes nas férias?

O tédio contribui para a desenvolvimento do potencial criativo, possibilitando novas descobertas e experimentações

*Priscila Correia, do Aventuras Maternas, colunista de AnaMaria Digital Publicado em 21/07/2023, às 08h00

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Como sentir tédio pode ajudar seus filhos a serem mais felizes nas férias? - Charlein Gracia/Unsplash
Como sentir tédio pode ajudar seus filhos a serem mais felizes nas férias? - Charlein Gracia/Unsplash

Tédio. Como uma palavra de apenas cinco letras pode carregar consigo o peso de uma bigorna? Afinal, com o mundo cada vez mais ágil, parece impossível alguém sentir tédio. Especialmente para os pais, que estão correndo contra o tempo para dar atenção para as crianças, trabalhar e cuidar de inúmeros afazeres. Mas é possível, sim, sentir tédio mesmo com tudo acontecendo ao mesmo tempo. E mais importante: é bom senti-lo.

Para Ivone Ferreira Santos, que atua como psicóloga educacional no Colégio Novo Tempo em Santos (SP), períodos de tédio são, sim, importantes para crianças e adolescentes. Isso porque nossos filhos estão sobrecarregados de atividades em sua rotina, e momentos de ócio têm se tornado cada vez mais raros. Segundo ela, inclusive, os estudos indicam que o ócio contribui para a desenvolvimento do potencial criativo, possibilitando novas descobertas e experimentações.

"Para os adolescentes, especificamente, momentos de tédio contribuem para reflexão sobre sentimentos, medos, dúvidas, incertezas e são importantes para o autoconhecimento. Nas crianças, o ócio também pode ser praticado quando contemplam a natureza, leem um livro, balançam na rede, ouvem músicas, brincam ao ar livre, criam brinquedos, desenham, utilizam material de pintura”, pontua. Além disso, diz, o tédio também é fundamental para desenvolver as habilidades socioemocionais fundamentais para o desenvolvimento humano.

“Resiliência, capacidade de superar frustrações, sentimentos de culpa e menos valia e autoaceitação são provenientes de momentos de reflexão, que só são possíveis de se efetivar quando se investe tempo para alcançar esse nível de compreensão. Se estivermos absorvidos pelas exigências externas, provavelmente estaremos muito mais distantes de si mesmo o que dificultará esse processo de autodescoberta”, complementa.

Já a psicóloga Juliany Silva Coelho França, coordenadora de Tutoria e Relacionamento do Colégio Crescimento, lembra que os adolescentes são os que mais reclamam quando não estão com um eletrônico ou mesmo em qualquer outra ocupação. “Para eles, não ter o que fazer causa incômodo e gera chateação. Mas é importante esse momento para que pensem em algo que possam deixá-los calmos com a mente descansada e atiçar a sua criatividade”, pontua.

E tem mais: períodos de tédio são importantes para crianças e adolescentes inclusive nas férias. “O período de férias é necessário para que nossas crianças e adolescentes se desconectem da rotina pesada de compromissos e horários rígidos e usufruam de tempo livre e propostas desconstruídas para reabastecerem suas energias e recuperarem o equilíbrio necessário à saúde física e mental”, enfatiza Ivone.

A CULPA DOS PAIS

Falar em ócio criativo, especialmente durante as férias, parece ser ainda mais difícil, já que nossos filhos querem tudo, menos sossego. Ainda que a insatisfação das crianças em ficar em casa pareça algo negativo, o tédio e o ócio têm benefícios. No livro The Science of boredom (A ciência do tédio), a psicóloga britânica Sandi Mann explica como o tédio estimula o cérebro, ajuda na criatividade e desperta a imaginação.

Para a psicopedagoga Daniela Jungles, professora de Psicologia e supervisora da clínica-escola do UniCuritiba – instituição que faz parte da Ânima Educação, se os pais não conseguiram planejar uma viagem ou não terão folgas para fazer passeios durante a semana, não há problemas. Afinal, quem disse que as crianças precisam exatamente disso para estarem felizes?

De acordo com Jungles, os pais não precisam brincar com os filhos o tempo todo. “Com o tédio e o ócio, as crianças aprendem a ser autossuficientes, desenvolvem sua individualidade e percebem que podem ser boas companhias para si mesmos”, pontua. Ela lembra, ainda, que os pais não precisam dar conta de tudo: trabalhar, limpar a casa, pagar as contas, entreter as crianças, ir a programas divertidos e fazer passeios. “A gente sonha com uma viagem legal, com atividades excepcionais, mas nem sempre é possível. A maioria dos pais está trabalhando nesta época do ano. É preciso, então, avaliar quais são os recursos disponíveis, contar com uma rede de apoio e saber que está tudo bem.”

Mas e a culpa que a gente sente, porque, lá no fundo, acredita que férias têm que ter entretenimento o tempo todo? A primeira dica para os pais é trabalhar o sentimento. Se os pais estiverem seguros a respeito de suas possibilidades e decisões, vão transmitir essa segurança para os filhos. Depois, basta oferecer estímulos e condições para que a criança desenvolva suas próprias brincadeiras e atividades. Para Daniela, os pais não têm a obrigação de entreter os filhos em tempo integral e as férias escolares servem justamente para descansar, brincar sozinhos e enfrentar o tédio. “As crianças podem sentir um pouco de tédio. Já já elas vão aprender a lidar com a situação e encontrar uma alternativa. Os pais não precisam interferir e oferecer atividades e passeios o tempo inteiro”, diz.

No entanto, temos um lembrete importante: embora saibamos que o tédio não só estimula a criatividade como reduz a ansiedade e melhora a autonomia, é preciso ficar atento ao que as crianças estão fazendo, ou seja, isso não significa deixá-las completamente livres e sem supervisão. “A receita é o equilíbrio. Os pais podem propor atividades para afastar as crianças dos eletrônicos, mas isso não significa que elas devam brincar na rua sem supervisão”, explica Daniela.

TÉDIO X TELAS

Quando chegam as férias escolares, notamos a seguinte situação: uma criança chorando, ansiosa e com muita energia. Pais nervosos, sem opções práticas, pegam o celular, tablet ou outro dispositivo tecnológico e entregam ao filho para distraí-lo e acalmá-lo. A estratégia é praticamente infalível, mas é importante ficar alerta. Afinal, se por um lado o ócio é adubo para uma mente criativa, a sensação de vazio sentida pelas crianças e adolescentes cada vez mais precocemente é um impulso direto para o abuso das telas, seja para assistir vídeos nas redes sociais ou jogar videogames.

Uma pesquisa divulgada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil mostrou um aumento significativo no percentual de crianças, na faixa etária de 9 a 10 anos, que acessam a internet. O aumento foi de quase 15 pontos percentuais, passando de 79% em 2019 para 92% em 2021. O pesquisador e neuroeducador Fernando Henrique Lino explica que “assim como um xarope, os celulares e telas são frequentemente utilizados com essa premissa de distrair as crianças. No entanto, essa estratégia pode ter efeitos negativos a longo prazo”. Segundo ele, quando os mais novos são acalmados com o celular, eles estão construindo uma associação de comportamentos ansiosos e busca por gratificação imediata.

Esse fenômeno pode levar a consequências indesejadas, como crianças mais desobedientes, irritadas e com dificuldades em se concentrar. Ao se habituarem ao rápido acesso a estímulos e recompensas instantâneas, proporcionados pelos dispositivos eletrônicos, as crianças podem desenvolver uma dependência e uma falta de habilidades para lidar com o tédio, a frustração e a espera. “Os celulares e as telas de maneira geral impulsionam esse aumento nos dados, isto acontece porque enquanto algumas crianças utilizam essas plataformas para se manter conectadas com os colegas de classe, seja através de aplicativos de mensagens instantâneas, redes sociais ou jogos, outra parte acaba caindo no consumo passivo de telas por horas a fio, o que não é bom”, explica o neuroeducador.

Fernando lembra ainda um dado importante: a sociedade, de forma geral, possui essa propensão a subestimar o poder do exemplo dos pais dentro de casa, e no caso da tecnologia não é diferente: as famílias, que têm o hábito de conversar com seus filhos enquanto olham o próprio celular ou de passar horas a fio na frente das telas recreativas, acabam contribuindo para os hábitos abusivos de telas dos próprios filhos – inclusive, Lino explica esse cenário de forma mais detalhada em sua obra “Xarope Digital”, analisando como os gatilhos mentais foram incorporados nas plataformas e tecnologias disponíveis atualmente.

O livro expõe os riscos relacionados ao abuso excessivo das telas e traz dicas práticas tanto para os pais quanto para as escolas, visando ajudá-los a evitar o abuso e promover um uso saudável e equilibrado das tecnologias digitais pelas crianças. “É importante analisar que existem diversos estudos dos últimos 15 anos que apontam para diversos prejuízos no rendimento acadêmico, saúde mental e física do abuso das telas, principalmente para alunos a partir da pré-adolescência, que começam a ser mais exigidos academicamente”, reforça.

Na sequência, para ajudar as famílias a aproveitarem ao máximo esse período de férias sem deixar que os aparelhos digitais sejam uma distração constante, o pesquisador indica algumas ações importantes:

  1. Promova o exemplo: Pais e responsáveis devem dar o exemplo, mostrando um uso saudável e equilibrado dos dispositivos eletrônicos.
  2. Crie espaços livres de celulares: Defina áreas ou momentos específicos em casa onde o uso de celulares não é permitido. Por exemplo, estabeleça uma hora do dia para uma refeição em família, sem aparelhos eletrônicos, ou um espaço de leitura sem distrações digitais. Defina horários específicos para o uso do celular.
  3. Planeje atividades alternativas: Incentive seus filhos a se envolverem em atividades criativas, esportivas ou ao ar livre, como artesanato, esportes, passeios em parques, trilhas ecológicas, entre outros. Ter opções interessantes e divertidas disponíveis reduzirá a dependência do celular.

IMPULSIONANDO MOMENTOS FAMILIARES

Para quem não vai viajar nas férias de julho, o tédio de ficar em casa pode ter ainda mais benefícios, como incentivar momentos em família ou com amigos que também estão passando as férias em casa. Abaixo, Jungles dá algumas dicas sobre como curtir esses dias.

  1. Cozinhem juntos: no fim de semana ou à noite, convide a criança para preparar uma comida especial.
  2. Prepare uma sessão de cinema e guloseimas em casa. Deixe a criança escolher o filme e assistam juntos.
  3. Acampe na sala ou no jardim de casa e façam uma noite divertida.
  4. Leve seu filho para passeios culturais, visitas a pontos turísticos da cidade, exposições ou museus.
  5. Convide a criança para ajudar nos cuidados com a horta ou o jardim.
  6. Deixe a criança ir à casa de um amigo. Em outro dia, leve um amigo para a sua casa.
  7. Jogue com seu filho. Pode ser bola, aviãozinho, brincadeiras de roda ou jogos de tabuleiro.
  8. Organize uma caça ao tesouro, em casa ou no parque.
  9. Leve seu filho para conhecer o seu trabalho, o que ajuda a valorizar os motivos de não poderem estar sempre juntos e cria uma conexão maior entre vocês.
  10. Participe do dia deles, mesmo à distância. Se ele estiver em casa com um cuidador, enquanto você precisa sair para o trabalho, ligue para contar algo que aconteceu no seu dia, pergunte sobre o dele. Leia trechos do livro que ele está lendo para compartilharem comentários, crie um cenário imaginativo para deixarem ganchos para uma próxima conversa. Conexão pode ser cultivada em pequenos detalhes.

EM TEMPO: com as férias escolares, muitas crianças e adolescentes acabam sendo mais expostas à luz elétrica durante a noite. Seja vendo um filme até tarde, jogando videogame ou navegando nas redes sociais nos smartphones, esses jovens acabam sendo impactadas e esse assunto normalmente não recebe a devida atenção. “A luz no período noturno deve ser projetada de forma a não informar para nosso organismo que ainda é dia, fazendo com que a produção do ‘hormônio do sono’, a melatonina, seja bloqueada ou produzida com muito retardo, acarretando principalmente problemas relacionados com a qualidade do sono, tão fortemente relacionada hoje com ter uma boa saúde”, explica a naturopata e especialista em projetos de iluminação saudável, Adriana Tedesco.

Aliado a este cenário, o hábito do uso de telas, celulares, tablets, TV, computadores, acabam agravando o problema, pois para que a possamos enxergar as telas, é empregado ali uma frequência de onda azul, que à noite ativa nosso sistema de alerta. “Problemas como nanismo, déficit de atenção, alguns tipos de tumores e obesidade podem estar relacionados com esta questão, principalmente quando o organismo já possui alguma predisposição relacionada”, conclui Tedesco.