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Caso Larissa Manoela: como evitar que a sua dinâmica familiar vire tóxica?

Como fugir de padrões prejudiciais e que podem levar a relacionamentos disfuncionais entre pais e filhos.

*Priscila Correia, do Aventuras Maternas, colunista de AnaMaria Digital Publicado em 25/08/2023, às 09h20

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Larissa Manoela atualmente mantém uma relação complicada com os pais. - Reprodução TV Globo e Instagram
Larissa Manoela atualmente mantém uma relação complicada com os pais. - Reprodução TV Globo e Instagram

As recentes revelações sobre a atriz Larissa Manoela, envolvendo sua luta para conquistar independência financeira e controle sobre a própria carreira, causou ondas de reflexão sobre as dinâmicas familiares. Afinal, ao renunciar a um considerável patrimônio e romper com seus pais, a jovem artista trouxe à tona uma discussão importante: como os pais podem influenciar o desenvolvimento dos filhos em relação à independência, autoestima e responsabilidade financeira?

Afinal, sabemos que os comportamentos parentais podem potencialmente moldar a mentalidade de uma criança enquanto ela cresce. Tudo porque a forma como os pais se relacionam com seus filhos afeta diretamente o desenvolvimento emocional e psicológico de um indivíduo. E é exatamente nesse contexto que surge a questão dos pais serem ou não narcisistas, por exemplo.

Na coluna desta semana, vamos abordar as relações parentais, explorando o que é um comportamento saudável, ou não, e como ele pode se manifestar na dinâmica familiar. Além disso, buscaremos entender como evitar os padrões prejudiciais que podem levar a relacionamentos disfuncionais entre pais e filhos.

RECONHECENDO UMA RELAÇÃO SEM LIMITES

Pais que exageram no controle dos filhos não são exatamente incomuns. Mas esse controle, claro, não significa necessariamente que vá prejudicar a criança, como aconteceu no caso da atriz. Então, como identificar esse comportamento narcisista?

Michele Silveira, psicóloga e logoterapeuta da MS Clínica de Psicologia, pontua que uma mãe ou um pai narcisista exige admiração excessiva, costuma assumir a forma de uma necessidade constante de atenção e admiração, se mostrando muito invasivo na vida de seus filhos e não considerando que os mesmos também têm sentimentos e necessidades. Segundo o DSM-5 (Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), não existe o transtorno da mãe narcisista, existe o Transtorno de Personalidade Narcisista, que pode afetar inclusive as mães e os pais.

"Esse transtorno, de um modo geral, consiste em indivíduos com um sentimento grandioso de sua própria importância, necessidade de admiração e falta de empatia. Mãe ou pai narcisistas creem ser superiores, especiais ou únicos e esperam que os filhos os reconheçam como tal. Eles acreditam que suas necessidades são especiais e estão além do conhecimento das pessoas comuns, tendo sua própria autoestima realçada pelo valor idealizado que conferem àqueles com quem se associam”, explica.

A psicóloga Luana Couto, que atua como terapeuta clínica de crianças, adolescentes, adultos e famílias, diz, ainda, que a pessoa que vive esta condição apresenta visão distorcida e superlativa de si, inferioriza os demais, não sente empatia, é resistente a críticas e apresenta necessidade intensa de atenção. “O narcisista mente de forma patológica, agindo de maneira “automática”, invertendo situações e fatos, se vitimizando, manipulando e gerando culpa nas outras pessoas", explica.

Segundo a terapeuta, ele sente muita inveja e, embora se comporte com ares de superioridade,  tem muito desconforto com seu “eu” e vai infringir a outras pessoas dor e sofrimento para obter prazer e suprimento emocional. "Socialmente, quando atua em grupos ou no trabalho, provoca conflitos, enfraquece e submete os outros a abusos e controles, sempre visando ganhos. Vai também construir máscaras sociais que validem a versão mais conveniente para cada ocasião. Uma pessoa narcisista tende a atuar com o mesmo padrão de comportamentos nos diversos contextos sociais,  sobretudo naqueles que consiga exercer poder. Portanto, no contexto familiar, pai e mãe são exemplos destes papéis”, determina.

Para a psicóloga Luciana Inocêncio, que é psicanalista e especialista em transtornos graves das psicoses, além de autora dos livros “Psicanálise Presente na Vida Cotidiana” e “As Aventuras de Elvis”, uma das características mais evidentes desses pais é considerar o filho um objeto para satisfazer suas realizações. “Eles vetam o desenvolvimento psicológico, emocional, social e econômico do filho. Um pai ou mãe narcisista barra completamente a autonomia vital de um filho, independentemente de sua idade”, comenta. Além disso, um traço importante desse tipo de mãe e pai está no jogo da culpa. “Quando o narcisista se sente frustrado por algum motivo, ele culpa o filho pela sua infelicidade e desconforto. Esta é uma clara forma de abuso psicológico. E, por fim, mas não menos importante: qualquer tentativa de independência do filho será boicotada, seja profissionalmente ou nas relações amorosas”, determina.

Filipe Colombini, psicólogo parental e CEO da Equipe AT, esclarece, porém, que ter um transtorno de personalidade narcisista envolve um diagnóstico sério e robusto, por se tratar de um transtorno de personalidade e um problema de saúde mental. “Para julgar alguém como narcisista é preciso avaliar a situação de cada família e de cada interação parental. Se não há um diagnóstico bem feito (ou não se tem o diagnóstico), podemos dizer que os pais têm comportamentos julgados como narcisistas, não necessariamente por terem o transtorno. Ou seja, comportam-se em prol de seus interesses em detrimento dos interesses e bem-estar dos filhos porquê querem e não por um transtorno. Portanto, antes de procurar uma solução para o problema, é preciso que isso fique claro: ter comportamentos egoístas não é necessariamente gerado por problema de saúde mental”, esclarece.

SUCESSO ESPELHADO

É bastante comum – muito mais do que imaginamos – encontrar pais que tentam se realizar por meio dos filhos. Mas, normalmente, essa “realização” espelhada acontece quando não são mais crianças. Entretando, há casos, como o da própria Larissa Manoela, em que crianças e adolescentes conquistam o sucesso quando ainda não chegaram à fase adulta.

Mas como equilibrar o reconhecimento dos sucessos dos filhos sem torná-los extensões dos próprios feitos como pai/mãe? Para Luana, é preciso entender, primeiramente, suas próprias questões, anseios, sonhos, limitações e potencialidades. “A terapia ajuda muito nisso e apoia na compreensão de forma mais clara das suas expectativas pessoais. Também conhecer genuinamente o filho, suas características pessoais, personalidade, temperamento, forma de pensar, respeitando suas escolhas, trazendo limites e orientação”, diz.

Para a psicóloga Priscilla Souza, que atua como supervisora de casos clínicos em terapia comportamental, devemos reconhecer nossa contribuição para o sucesso dos filhos, isso é altamente reforçador para nós mesmos, mas devemos ter outras formas de nos sentirmos importantes, temos que ter nossos próprios objetivos de vida e sonhos. Além disso, precisamos aprender a separar o que somos e nossas expectativas pessoais, das vidas dos nossos filhos. “Nossos filhos estão aqui para realizarem a própria história, e não suprirem nossas frustrações ou para realizarem o que não tivemos coragem de fazer na nossa própria vida. Temos que entender que agora é a oportunidade de viver deles. E não é porque são nossos filhos que as histórias irão se repetir. Temos que auxiliá-los na construção de sua individualidade e autonomia”, diz.

A CRIANÇA MANIPULADA

Se, por um lado, os adultos podem conseguir “disfarçar” seu narcisismo, por outro é consideravelmente mais claro perceber os impactos de uma criação assim nos filhos. “Ser criado por pais narcisistas é emocionalmente e psicologicamente abusivo e causa efeitos debilitantes e persistentes para as crianças. Filhos de pais narcisistas costumam sofrer consequências bastante negativas na saúde mental, como baixa autoestima, insegurança e necessidade de aprovação. A criança não se sente ouvida ou reconhecida na sua subjetividade e seus desejos, sendo sempre julgada e criticada, podendo crescer com a impressão de que tudo que faz nunca será o suficiente”, pontua Michele Silveira.

Inocêncio diz, ainda, que ser criada por pais narcisistas pode afetar o desenvolvimento emocional e psicológico das crianças. “Tem inúmeros impactos emocionais, psicológicos e até sociais pelos quais passa a criança. Afinal, ela está inserida num ambiente tóxico, sem autonomia, com manipulações e agressividade. Isso tudo leva a criança a ter baixa autoestima e sentimentos de inferioridade, além de dificuldade de socialização, problemas de aprendizagem e transtornos de ansiedade e depressão”, enfatiza.

E mais: os impactos nos filhos de narcisistas podem ser catastróficos, visto que para desempenhar em plenitude as atividades cognitivas e emocionais, por exemplo, uma criança precisará de segurança, orientação e estabilidade emocional, ou seja, tudo o que um pai ou mãe narcisista não irá proporcionar. “É muito comum que filhos de narcisistas desenvolvam transtornos como Ansiedade e Depressão, justamente por viverem uma dinâmica familiar estressante, tóxica e constante. Os padrões de comportamentos, por serem  estabelecidos de forma disfuncional, fragilizam a auto estima, independência e visão crítica dos filhos. E eles ficam vulneráveis a estabelecerem outras relações abusivas social, profissional e emocionalmente. Normalmente tendem a ser mais dependentes destes pais - uma questão que parece ambígua, mas se explica pelo fato que um dos motivos para fragilizar tanto estes filhos tem a ver com mantê-los enquanto fonte de suprimento narcísico”, diz Luana.

E COMO AJUDAR ESSAS CRIANÇAS?

Ainda hoje, há muito preconceito e resistência em procurar ajuda de psicólogos. No entanto, a terapia individual ou familiar pode contribuir muito no ajuste das discrepâncias da realidade da família. "É necessário entender que procurar ajuda profissional não é assumir o fracasso na condução da própria vida. E, sim, ir em busca de novas formas de agir e enxergar nossa vida. É comum eu ouvir relatos no consultório: “Se eu soubesse que terapia era assim... tinha vindo antes e evitado sofrer tanto!” Busque ajuda”, sugere Priscilla Souza.

Para Filipe Colombini, é fundamental que os pais passem por orientação/treinamento parental. Contudo, é importante a identificação dessa necessidade tanto por parte dos pais (tendo autoconhecimento de suas dificuldades e falhas), como da rede de suporte (amigos, vizinhos, comunidade, familiares…), que podem sugerir ajudar e também, se necessário, denunciar a necessidade de ajuda profissional por conta desses abusos psicológicos. “A depender da idade da criança, a necessidade é o trabalho com os pais, pois a criança não tem consciência desse controle parental e, muito menos, tem possibilidade de ela mesma mudar essa realidade. Sendo adolescentes, a história é outra, visto que o próprio adolescente pode adquirir a consciência desse controle/abuso e ele mesmo também buscar auxílio com a sua rede de suporte e meios institucionais de denúncia (por exemplo, a escola). No caso, o trabalho diretamente com o adolescente é o desenvolvimento de habilidades de comunicação, assertividade, resolução de problemas, autocontrole, regulação emocional”, específica.

Luana Couto diz, ainda, que considerando que muitas ações de controle podem ser a “ponta do iceberg” ou o início de relações abusivas e que, as crianças enquanto tuteladas pelos pais ou responsáveis até a maioridade, não têm autonomia e independência para pedirem ajuda sozinhos, a melhor via para atuação é através de ações preventivas, de controle e punitivas. “Para prevenção, a Educação Parental tem um grande poder de mobilizar as famílias, profissionais da saúde e da educação. Também o governo, representado por diversos órgãos relacionados à saúde, educação e às leis, tem estabelecido políticas públicas voltadas à Saúde e Segurança das Crianças e Adolescentes", explica.

Como exemplo, o ECA (Estatuto da Criança e Adolescente) tem como objetivo proteger os direitos da criança e do adolescente, com poder de definir medidas com interlocução direta com o poder judiciário. "No entanto, este movimento ainda é bem tímido e deve ganhar mais força, de forma a educar e mudar hábitos disfuncionais. Como exemplo que ajudam a entender este tipo de mudança, temos a campanha para uso de cinto de segurança, acompanhada de ações punitivas e também sobre agressão a animais. Hoje há uma consciência coletiva que faz com que a sociedade faça parte do monitoramento e aplicação de práticas preventivas”, avalia.

PROTEÇÃO QUE VEM DA LEI

A relação exageradamente controladora  entre pais e filhos causa prejuízos não “apenas” psicológicos e comportamentais para o lado mais frágil da relação. Há, ainda, os prejuízos financeiros, como aconteceu com a atriz. O advogado Arthur Rollo explica que o artigo 227 da Constituição Federal coloca como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à dignidade e ao respeito, entre outros fatores – a carta assegura, ainda, a proteção contra a exploração, a violência, a crueldade e a opressão.

“A família deve ser o núcleo da proteção das crianças, adolescentes e dos jovens e não deve ser instrumento de violência ou opressão. O artigo 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, dentro desse mesmo objetivo de proteção integral, assegura a estes públicos o desenvolvimento físico, mental, moral espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Os casos de violência patrimonial e moral contra crianças e adolescentes podem, em tese, configurar crime. Por exemplo, pode configurar o crime capitulado no artigo 232 do ECA (“Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento. Pena - detenção de seis meses a dois anos)”, exemplifica.

O também advogado Fabio Guedes Garcia da Silveira, especialista em direito de família e sucessões e sócio da Fabio Guedes Advocacia, pontua, ainda, que há passos legais para modificar a guarda ou a visitação de um dos pais, se isso for necessário para garantir o melhor interesse da criança. Qualquer alteração no regime de guarda ou de convivência (atualmente não utilizamos mais a expressão “direito de visita” e sim “direito de convivência”, pois é importante que o genitor não se comporte como um mero visitante, mas como efetivo pai/mãe, interessado na formação do filho, participando, além de fiscalizar, das decisões relativas à sua criação e educação) só pode ocorrer em benefício da criança.

"É preciso contratar um advogado especializado na área do direito de família, ou na ausência de recursos financeiros procurar a Defensoria Pública, que deverá ingressar com uma ação para a alteração do regime de guarda ou de ampliação ou redução do direito de convivência, a depender da situação. Essa ação deverá ser instruída com prova documental (laudo elaborado por psicólogo) que demonstre a presença das circunstâncias prejudiciais à criança que ensejam a alteração do regime de guarda ou do direito de convivência. Nessa ação, que possui a intervenção obrigatória do representante do Ministério Público, o juiz irá determinar a realização de um exame psicossocial, com entrevista dos genitores e da criança, por psicólogo judicial e assistente social judiciário, objetivando identificar e determinar as situações típicas que ensejam a alteração do regime de guarda ou a flexibilização ou restrição do direito de convivência, inclusive, se necessário, por meio de visitas monitoradas em espaço judicial ou sob a supervisão de um familiar do genitor que detém a guarda”, explica.

Ele lembra, porém, que encontrar evidências que possam ser relevantes ao buscar uma alteração no arranjo de custódia ou visitação devido a comportamentos narcisistas de um dos pais não é simples. “Infelizmente, esse tema, embora grave, não é objeto frequente de preocupação e de decisões judiciais, sendo mais comum a existência de pedidos de alteração de guarda ou de supressão/restrição ao direito de convivência em decorrência da prática de violência física, sexual ou alienação parental. Ocorre que esse comportamento narcisista não costuma ser percebido com facilidade, principalmente pelo genitor que não detém a guarda ou que, apesar de possuir a guarda compartilhada, não é o detentor do domicílio fixo da criança. Normalmente, os filhos de pais narcisistas, ou de guardião narcisista, na tentativa desesperadora de tentar agradar os pais, convivem constantemente com a pressão e estresse. Essas crianças, em decorrência da reiterada manipulação emocional praticada pelo genitor narcisista, tendem a sentir inseguras e sem personalidade própria. Infelizmente não é incomum que os pais narcisistas manipulem os filhos através de chantagens emocionais, comparações, ridicularização e coerção emocional”, pontua.

Entre as evidências relevantes para buscar uma alteração no arranjo de custódia ou visitação devido a comportamentos narcisistas, a advogada Ana Carla Avelar, do Escritório Gilberto Bergamin Advocacia, diz que é fundamental fornecer provas concretas de abuso emocional, como:

  • Trocas de mensagens, e-mails ou outras comunicações que evidenciem atitudes desrespeitosas, hostis ou prejudiciais do genitor narcisista em relação à criança;
  • Avaliações de profissionais de saúde mental, assistentes sociais ou psicólogos que indiquem a presença de comportamentos narcisistas e seu impacto no desenvolvimento do menor;
  • Depoimentos de familiares, amigos, professores ou outras pessoas próximas que tenham observado os comportamentos narcisistas do genitor e seus efeitos na criança;
  • Decisões judiciais anteriores relacionadas à custódia ou visitação, qualquer evidência de comportamento narcisista que tenha levado a problemas deve ser destacada. “É sempre importante destacar a relevância da consulta legal em tais situações”, enfatiza.

Especificamente sobre bens dos filhos, Arthur Rollo explica que os pais devem sempre atuar na gestão dos bens da criança e do adolescente, pensando sempre no melhor interesse do menor. “Não pode haver violência patrimonial e nem tampouco o desvio do patrimônio em proveito próprio. Os pais não podem ostentar os bens dos filhos. A gestão patrimonial deve ocorrer segundo o interesse do menor, e não de seus pais”, determina. Mas, afinal, quais medidas de proteção podem ser implementadas para garantir que a criança não seja exposta a manipulação emocional ou abuso psicológico por parte de mãe ou pai narcisista?

“Qualquer alteração no regime de guarda ou de convivência reclama fortes indícios de prejuízos à criança em decorrência da conduta do genitor. Observar atentamente as mudanças de comportamento da criança, bem como os sinais físicos decorrentes da reiterada pressão e estresse é muito importante. Antes de buscar a tutela jurisdicional, por meio de um advogado especializado na área do direito de família, é necessário possuir provas específicas. Havendo a comprovação dessa manipulação emocional ou abuso psicológico por parte de mãe ou pai narcisista, o outro genitor deve recorrer ao Poder Judiciário, buscando a regulamentação da guarda em caráter liminar, bem como que o direito de convivência garantido ao genitor que está cometendo o abuso seja exercício em ambiente terapêutico, ou seja, mediante acompanhamento profissional, devendo assim permanecer até que seja concluída a avaliação pela psicóloga judicial e elaborado o estudo social determinado no processo”, diz Fábio Guedes.

Arthur Rollo comenta, ainda, que como dificilmente a criança ou o adolescente conseguirão perceber essa violência, pode haver a denúncia de vizinhos, por exemplo, ao Conselho Tutelar e ao MP. “Dentro da proteção cautelar da criança e do adolescente, o juiz pode determinar, a pedido do MP, a assistência psicológica à criança ou ao adolescente, bem como um lar provisório, para que cesse imediatamente a violência”, complementa.

Já no caso da própria criança se sentir prejudicada pelo comportamento dos pais, se ela tiver mais de sete anos, há a possibilidade de ser “ouvida”. Para António Carlos Morad, advogado do escritório Morad Advocacia Empresarial, a criança, a partir dessa idade, já tem um certo direito do juiz ouvi-la. “Mas é preciso que os advogados tenham conhecimento profundo da relação dos pais com essa criança para que não seja um pedido movido por brigas pontuais. Se existe um pai ou mãe que faça mal para criança, certamente é preciso entrar na esfera judicial e esse advogado precisará ingressar com uma medida em favor da criança e que afaste aquele pai ou aquela mãe com comportamento prejudicial”, enfatiza.

Ana Avelar comenta, porém, que de acordo com a nossa legislação, sempre que possível, é importante ouvir o que as crianças e adolescentes têm a dizer antes de tomar decisões. No entanto, apesar da opinião dos menores ser considerada, não existe nenhuma obrigação aos juízes de decidirem da mesma forma. Ou seja, mesmo quando os filhos são consultados durante o desenrolar do processo, o juiz efetua uma análise da capacidade parental, avaliando a aptidão do genitor em prover o cuidado adequado à criança. “Assim sendo, é importante a comprovação tanto das condições financeiras quanto psicológicas do cônjuge em foco, bem como a demonstração de que este é capaz de criar um ambiente seguro e propício ao saudável desenvolvimento da criança. O mais significativo não é apenas deixar as crianças expressarem o seu pensamento em um processo legal, mas garantir que o seu interesse maior seja resguardado”, conclui.

MEA CULPA

Diante de tudo que já foi dito, é preciso dizer, porém, que nem todos os pais se enxergam dessa forma controladora. Mas, sim, há sinais que podemos observar em nós mesmos para que não haja prejuízo na criação dos filhos. Abaixo, Michele Silveira pontua 10 comportamentos narcisistas clássicos que podem ser facilmente identificados. “Analise alguns comportamentos fazendo algumas perguntas para si mesmo. Se conseguir identificar em você alguns desses comportamentos, procure ajuda”, sugere.

  1. Costumo invadir os limites dos meus filhos?
  2. Sinto inveja do sucesso dos meus filhos?
  3. Percebo que minha vontade sempre vem em primeiro lugar? E quando isso não acontece me sinto ressentida?
  4. Fico muito chateada quando meus filhos contrariam minhas opiniões?
  5. Me preocupo demasiadamente com a minha aparência?
  6. Costumo lançar mão da vitimização para tentar conseguir uma plateia?
  7. Costumo criticar meus filhos fingindo preocupação?
  8. Me sinto mais confortável tendo o controle sobre meus filhos?
  9. Entro sempre em competição principalmente com minha filha?
  10. Estou sempre buscando que tudo gire em torno de mim?

Mas, atenção! Todos os pais precisam entender que, em algum momento, serão “tóxicos” para seus filhos, ou seja, farão algo que consideram errado e que provocará sofrimento em seu filho, seja raiva, ódio, frustração, ansiedade etc. “É essencial estar sensível ao fato de que errarão tentando fazer o certo, buscando acertar”, pontua. “Mas reconhecer que ultrapassou limites precisa ser acompanhado pela busca por melhora”, conclui Filipe Colombini.

Em tempo: Se você se preocupa se está tendo comportamentos narcisistas, só de fazer esta pergunta, que revela preocupação e busca de consciência através da empatia, provavelmente você não é um narcisista. “O narcisista não se importa, não sente culpa e não vê ganhos em mudar seu padrão de comportamento que, embora desdobre a ele também sofrimentos, também traz “ganhos secundários”, em função da manipulação. Existem pessoas que não têm o transtorno Narcisista, mas que replicam comportamentos narcisistas, seja porque entendem que é normal ou porque repetem padrões familiares", explica.

O primeiro ponto é entender que uma pessoa emocionalmente saudável é aquela que consegue colocar em prática todas as suas potencialidades, de forma segura, responsável e comprometida. Ela fará escolhas conscientes, conseguirá avaliar suas questões, entender o que pode fazer e, portanto, suas limitações. "Esta pessoa além de desenvolver uma visão de “eu”, também consegue perceber seu papel no todo, o espaço do outro e agir de forma justa e respeitosa com as outras pessoas. Vai também entender todos os suprimentos necessários para a manter saudável e será a líder deste processo, desenvolvendo então relações saudáveis. Um adulto maduro e saudável não estará livre de desafios,  dores e injustiças do mundo, mas desenvolverá estratégias para se acolher, escolher formas saudáveis de lidar com suas necessidades e buscar soluções”, afirma Luana Couto.

Pensando em todos estes aspectos, para saber se sua educação é disfuncional, basta avaliar algumas práticas importantes para apoiar uma pessoa a se desenvolver de forma saudável. “Se não faz, comece a fazer o mais rápido possível”, conclui Luana Couto.

  1. Fornecer alimentação, ambiente familiar não violento, cuidar e ensinar o filho sobre cuidar e proteger o próprio corpo.
  2. Educar em casa, com tempo de qualidade e dedicação, focando em entender como o filho funciona, como pensa, suas habilidades e limitações. Acompanhar até que se torne um adulto, sempre ciente de suas ações on e off line, orientar desvios sem punição (que potencializa insegurança e mentiras). Ser parceiro da escola é demais estruturas de apoio, sempre buscando criar uma linha congruente e contínua nas abordagens.
  3. Mostrar amor de forma incondicional. Isso quer dizer que não existe barganha em troca de performance, atitudes e escolhas. Amar porque ele é seu filho, independente do que faça, mas ainda assim não permitindo que faça o que quiser. Mostrar apreço e admiração real porque  ele tem como qualidade.
  4. Respeitar. Zelar pela segurança dos filhos, buscar formas de educar que fiquem na disciplina e orientação, nunca agredir com palavras ou gestos. Tratar uma criança da mesma forma que trata um adulto com poder sobre você.
  5. Dar disciplina com firmeza: SIM SIM, NÃO NÃO. Nunca mudar um SIM ou NÃO por qualquer pressão emocional ou culpa. Só o fazer quando de fato você avaliar que é necessário. Gerar consequências que permita que o filho ensaie a “vida como ela é”. Isso o prepara para os desafios na fase adulta.
  6. Proteger para que o filho aprenda. À medida em que o filho cresce e pode fazer novas coisas, substitua a proteção por supervisão. Permita que ele viva as frustrações, acolhendo-o e ajudando-o a buscar alternativas de resolução ou de redução de danos.
  7. Ensinar vivenciando crenças virtuosas. O ser humano aprende por repetição e exemplo. Se acreditar, apresente a Fé ao seu filho. Nos momentos limitantes da vida, acreditar em um Deus maior ajuda muito. Se não crê, apresente suas escolhas para lidar com grandes e dolorosos desafios.