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Automedicação infantil: pediatras alertam sobre riscos de remédios e vitaminas

O que deveria ser uma solução pode se transformar em um grande problema

*Priscila Correia, do Aventuras Maternas, colunista de AnaMaria Digital Publicado em 16/09/2022, às 08h00

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A automedicação é um perigo para todos - Unsplash
A automedicação é um perigo para todos - Unsplash

Sabe aquela reclamação de saúde que um filho faz e que você, automaticamente, se lembra de um determinado remédio que já tinha usado? Ou quando algum anúncio comercial diz que, tomando regularmente determinada vitamina, vamos conseguir manter nossas crianças saudáveis? Já passou por essa situação, dando um remédio ou até mesmo suplementos sem que um médico receitasse? Se sim, cuidado, pois a automedicação pode se transformar em um grande problema, com reflexos bastante sérios – às vezes até mesmo irreversíveis.

Segundo um artigo publicado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) em 2018, naquele ano, todos os dias, quase 40 crianças e adolescentes sofreram os efeitos da intoxicação pela exposição inadequada a medicamentos – os dados foram revelados de acordo com um levantamento feito pela própria instituição. O estudo revelou ainda que, de acordo com informações do Sistema Nacional de Informações Toxico-farmacológicas (Sinitox), ao longo de 18 anos foram mais de 245 mil casos de intoxicação atingindo essa faixa etária, com o registro de 240 mortes (isso sem contar os casos que não são informados, quando as reações são brandas e os pais acabam “resolvendo o problema” em casa). E mais: dentro desse universo, mais da metade foi com crianças de um a quatro anos de idade.

O estudo acima, embora tenha alertado, principalmente, para casos em que crianças e adolescentes têm acesso diretamente aos medicamentos (como quando se deixa embalagens ao alcance deles), e não especificamente sendo dados pelos pais para os filhos, alerta, ainda, sobre o cuidado que é preciso sobre onde os adultos vão guardar os remédios, até mesmo os mais comuns, como os usados para o controle de tosse ou resfriados, pois existe um risco grande da criança pegar e tomar (especialmente porque costumam ser docinhos) - ,  muitas vezes acontecendo até uma superdosagem.

NÃO É SÓ UM "REMEDINHO"

Normalmente, as famílias têm aquelas farmacinhas em casa, com medicações de uso frequente, outras para emergências e aqueles restantes de medicamentos que ficam depois de um tratamento – como quando compramos caixas com 10 comprimidos para 7 dias de tratamento e acabam sobrando 3. Essa facilidade de ter um remédio à mão, é claro, pode ajudar muito em situações pontuais, como uma febre ou mesmo diante de uma nova receita médica. Entretanto, não é porque há uma substância em casa que ela precisa ser usada.

A automedicação é um perigo para todos. Mas quando falamos de crianças, os riscos de se dar remédios sem a devida prescrição médica são ainda maiores. “A automedicação de crianças passa a ser ainda mais perigosa, pois as dosagens infantis são diferentes, crianças reagem com efeitos adversos diferentes do adulto e a intoxicação por medicamentos é mais frequente”, explica o pediatra Victor Lioi, da Clínica Pediatrica Lioi & Comodo. Ele diz, ainda, que é muito comum ocorrer reações com vitamina D, Vitamina C, descongestionantes nasais, pomadas e antigripais.

Patricia Marañon Terrivel, pediatra e neonatologista, que é coordenadora de Pediatria do Grupo Trasmontano/Hospital IGESP, explica que geralmente os adultos dão antitérmicos para as crianças e, na maioria das vezes, não tem problema nenhum. Entretanto, quando são remédios tipo antibióticos e corticoides que acabam dando sem indicação médica, aí, sim, é preciso ter cuidado. “O perigo está nos remédios de tratamento. Os pais sempre querem um xarope, seja para tosse ou para resolver outros sintomas. Só que medicação de criança normalmente é apresentada em veículo líquido, ou seja, antibióticos, corticoides e antialergicos, por exemplo, não são simplesmente xaropinhos”, pontua.

Victor Lioi diz que, embora automedicar com antitérmicos e analgésicos seja muito comum e não costume trazer um grande risco, visto que as posologias são em geral simples, todo uso de medicamentos deve vir associado à avaliação correta de um profissional. Outro alerta importante é sobre se informar com o farmacêutico.

“Existem, por exemplo, os medicamentos genéricos, os medicamentos similares, mas nem sempre o mais barato é igual. Eu já peguei muitos casos de criança que a mãe trocou a minha prescrição. Ela fez isso com alguma indicação de farmacêutico e acabou não conseguindo fazer tratamento e a criança piorou. Era um antibiótico e ela não melhorava. E aí eu fui ver ela comprou um remédio similar de um laboratório que não é conhecido. Então, acabou gastando o dinheiro com uma medicação que não faz efeito. Tem que tomar cuidado com as trocas de medicação e receita que são realizadas no balcão da farmácia”, lembra Patricia Terrivel.

NÃO É PLACEBO

Muitos pais têm investido nos tratamentos homeopáticos para tratar seus filhos. Mas, embora a especialidade tenha como princípio ministrar ao paciente doses mínimas dos medicamentos, é preciso dizer que, como o próprio nome diz, são remédios, e mesmo com doses teoricamente menores do que os alopáticos, também precisam ser dados apenas com prescrição médica.

O médico Roberto Debski, especialista em acupuntura e homeopatia, explica que a automedicação, infelizmente, é uma prática muito difundida em nosso país, e com a homeopatia essa postura não é diferente. “Pais e familiares também indicam medicamentos homeopáticos para crianças sem que haja uma avaliação médica, ou um diagnóstico e prescrição adequadamente feitas pelo médico homeopata pediatra”, pontua. Ele conta, ainda, que isso acontece muito porque as pessoas acham que a homeopatia não tem contraindicações e pode ser administrada sem prescrição, o que não é verdade.

“Esse hábito tem riscos muito sérios. Além da intoxicação, que em alguns casos pode levar à morte, há o risco de tratar apenas os sintomas e mascarar uma doença que não foi diagnosticada, de adiar o tratamento adequado medicando a criança erroneamente, e de subestimar o quadro clínico que pode se agravar quando o diagnóstico não é feito e a medicação não é bem indicada. Há diversos casos de pais que medicam crianças com alopatia ou homeopatia sem avaliação médica, trazendo diversos riscos à criança", diz.

Ele cita, como exemplo, quando a criança está com febre, e os pais medicam para o sintoma. Porém, se a febre é uma consequência de uma infecção, como uma broncopneumonia, que deveria ter sido diagnosticada e tratada adequadamente pelo médico, e não com algum medicamento que se tenha em casa ou fácil acesso na farmácia, fazendo o quadro evoluir e a criança precisar ser internada. "Outro caso comum é uma criança apresentar dor de cabeça, os pais medicarem, e o sintoma não melhorar após dias. Isso porque o diagnóstico do quadro de base, uma sinusopatia, não foi feito, e quando a criança é levada ao médico, já houve uma evolução, trazendo mais dificuldades no tratamento e sofrimento para a criança”, complementa.

A pediatra e homeopata Larissa G. Sumi Lioi, da Clínica Pediatrica Lioi & Comodo, lembra, ainda, os pais e responsáveis que compram medicações baseados em pesquisas no Google. “Embora não haja tanta oferta de remédios homeopáticos nas farmácias como os alopáticos, quando se trata de medicamentos sem a necessidade de receita, muitos vão pelas indicações e anúncios na internet, pelas indicações nas próprias embalagens, pelas sugestões de amigos e familiares e até por orientação de farmacêuticos", observa.

E isso traz os mesmos riscos de qualquer outro medicamento, como dosagem inadequada, efeitos colaterais e intoxicação medicamentosa. "Isso sem falar sobre um fato que a maioria das pessoas desconhece, que a homeopatia usada sem necessidade ou de forma errada pode causar uma patogenesia, ou seja, causar ou acentuar os sintomas a serem tratados. Já vi pacientes que iniciaram com terror noturno após usarem um remédio homeopático sem orientação médica para tratar distúrbios do sono. O intuito dos pais era melhorar a qualidade do sono, diminuir a agitação. Porém, com o uso prolongado e sem orientação médica, a criança iniciou com outros sintomas, no caso, um terror noturno”, exemplifica.

É preciso dizer que, sim, existem algumas opções de medicamentos homeopáticos prontos em farmácias comuns e muitos deles de ótima qualidade. Contudo, assim como na alopatia, precisam ser prescritos pelo médico. Gabriela Capitani Abrahão, pediatra e homeopata, enfatiza, assim como seus colegas, que todo medicamento deve ser usado apenas quando tem uma indicação específica. “Na homeopatia, existe um quadro que se chama "agravação", que consiste numa piora inicial e momentânea de algum sintoma. Nem sempre acontece, porém, se acontecer, como aquela família não está usando a medicação sob orientação de um médico homeopata, pode não saber lidar com a situação. Além disso, a forma de se escolher um medicamento homeopático é muito diferente da forma que se prescrever a alopatia. Na homeopatia, trabalhamos com a individualização do tratamento e, portanto, nem sempre o mesmo remédio servirá para sintomas parecidos em indivíduos diferentes. Cada pessoa tem uma forma de adoecer e de responder ao tratamento e na homeopatia isso tudo é questionado e levado em conta”, esclarece.

E AS VITAMINAS?

Enquanto com medicamentos, na maioria das vezes, os pais tenham maior precaução, há uma ideia quase unanime entre as pessoas de que vitaminas podem ser tomadas sem orientação. Mas não é bem assim. "É extremamente perigoso. Tem sido mais comum ver intoxicação por vitamina D e efeitos colaterais por Vitamina C”, pontua Victor Lioi. Abaixo, ele fala um pouco mais sobre algumas:

Zinco: Pode ter funções muito boas relacionadas à recuperação intestinal em infecções e diarreias. Além disso, pode ser um coadjuvante na melhora do sistema imunológico e usada como protocolo em casos de prematuridade. Não falamos em dose máxima, mas em avaliar individualmente caso a caso e os motivos para o uso do zinco.

Vitamina C: Pode ser usada em doses baixas, individualizando caso a caso cada necessidade. Devemos ter bastante cuidado em famílias com antecedentes de doenças renais e cálculo renal ("pedras nos rins"). Em doses erradas esses efeitos colaterais podem ocorrer. A melhor vitamina C é a proveniente de uma alimentação adequada e de alimentos como da laranja, limão, caju, acerola entre outros.

Vitamina D: Deve ser suplementada em todas as crianças do nascimento até 24 meses de vida. A Sociedade Brasileira de Pediatria orienta suplementação de 400U de vitamina D diárias até 1 ano de idade e 600U diárias até 2 anos de idade. Além disso, é importante suplementar especialmente nas crianças com baixa exposição solar. Devemos manter níveis adequados de vitamina D, sendo importante para o metabolismo ósseo e calcificação. Ajuda também na manutenção de um bom funcionamento do sistema imunológico. Lembrar que a exposição solar é sempre melhor assim como hábitos saudáveis e atividade física regular em crianças maiores de 2 anos.

Em tempo: Você já ouviu falar sobre a Síndrome de Stevens-Johnson (SSJ)? Doença rara e que acomete a pele do corpo todo, ela é causada por reação medicamentosa e pode ser fatal. Os sintomas iniciais são parecidos com os de uma gripe, mas que evoluem rapidamente para descamação da pele, erupções vermelhas plana e bolhas e feridas nas mucosas.

Normalmente, ela acontece quando se inclui na rotina da pessoa um medicamento novo, mas também pode acontecer por superdosagem de outros fármacos que já façam parte da rotina do paciente. Se seu filho apresentar qualquer sintoma semelhante, procure atendimento médico imediatamente.