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Medo infantil: como lidar com a questão sem assustar as crianças?

O que você não deve fazer é menosprezar os sufocar esses sentimentos

*Priscila Correia, do Aventuras Maternas, colunista de AnaMaria Digital Publicado em 26/08/2022, às 08h20

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Medo infantil: as crianças não são tão ingênuas como parecem. - Kenny Eliason/Unsplash
Medo infantil: as crianças não são tão ingênuas como parecem. - Kenny Eliason/Unsplash

Pode parecer inexplicável, sem sentido. Muitas vezes, como pais, sequer conseguimos enxergar causas, mas o fato é que os medos infantis são tão naturais quanto o crescimento. Medo de escuro, de monstros sob a cama, de ficar sozinho, de se perder dos pais, de começar na escola nova, de histórias assustadoras, de mudanças... As preocupações aparecem e crescem na mente das crianças e a única coisa que elas não precisam é que seus responsáveis menosprezem ou sufoquem seus sentimentos.

A psicóloga Mônica Campelo, explica, inclusive, que o medo está diretamente ligado a insegurança. “É importante os pais se abrirem para o diálogo, dando a garantia do acolhimento e segurança. O medo não pode ser desprezado ou minimizado. As crianças não são tão ingênuas como parecem”, diz.

NÃO, NÃO É BRINCADEIRA

kit monstro
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Marjorie Delucca Linhares Lobato, mãe de Luiza, de três anos e sete meses, explica que sempre que a filha apresenta algum medo, ela e o marido procuram fazer algo lúdico para minimizar o sentimento.

“Já inventei um kit anti-monstro para dar de Natal, que tinha uma série de coisinhas para ajudá-la a enfrentar o seu medo, como, por exemplo, dois sprays coloridos, um para fazer o monstro desaparecer e outro para proteger seu quarto e não deixar ele chegar", conta a mãe.

Ela lembra que também apresentaram o desenho Scooby Doo, para a pequena entender que existem coisas assustadoras, mas no final sempre tem uma explicação e alguém fantasiado. "Esse desenho se tornou seu preferido, tanto que seu aniversário de três anos foi com este tema”, diz.

Marjorie conta que sempre que a menina fala sobre ‘um medo novo’, tenta racionalizar o sentimento, explicando porque não deve se amedrontar e isso tem dado certo para diminuir esse temor. “Ela começou a falar sobre sentir medo quando tinha por volta de dois anos. Como muitas crianças, não queria ficar sozinha no escuro. Para ajudar, tentamos usar mais claridade no quarto, mas quando acendíamos uma luz indireta, criávamos sombras; se acendíamos o abajur, ela também se assustava. Com o tempo, ela tem percebido que não há motivo para ter medo. E melhorou muito, mas ainda está no processo de enfrentando, o que é perfeitamente normal na idade dela”, complementa Marjorie.

Hoje, Luiza já tem noção que seus receios são fruto da fantasia, mas ainda sente alguns medos. Então, de tempos em tempos, em situações pontuais ou quando percebem o desconforto da filha, os pais retomam as conversas sobre o tema, mostrando o que não é de verdade e dando segurança a ela com a presença deles.

E os medos, muitas vezes, não estão relacionados apenas à monstros ou alguma figura. Cenas do cotidiano, que podem parecer inofensivas para a maioria dos adultos, são capazes de assustar os pequenos. A ex-BBB Franciele Grossi, mãe de Enrico, de apenas um ano e dez meses, conta que o filho, apesar de muito pequenininho, já expressa os medos dele da forma como sabe se comunicar.

Franciele Grossi e Enrico
Franciele Grossi é mãe de Enrico. (Crédito: Divulgação)

“Ele nunca apresentou problemas com barulhos em si, como músicas, falatório e tal. Mas emissões de sons mais agressivos, como buzina, vuvuzela e fogos, é algo que ele reclama bastante. Quando estamos em um lugar muito barulhento, é sempre um transtorno para ele”, explica. Para amenizar o sofrimento do filho, ela tenta tranquiliza-lo passando certa naturalidade.

“Quando assistimos a alguma partida de futebol e ele se incomoda com o barulho, falamos que é gol, que é comemoração, que é festa, para fazer com que, de alguma forma, ele encare aquilo com mais naturalidade. Costumamos também abraçar e beijar ele, para que fique mais calmo e se sinta protegido”, complementa.

É preciso dizer que sentir medo é comum à infância. Mônica Campelo pontua as crianças, geralmente, sentem medo de ficar sozinha no escuro, da chuva, de animais, de palhaços, de dormir sozinha, do abandono e até da morte. “Todas as crianças vivem medos temporários conforme as respectivas etapas do seu desenvolvimento. Na medida em que vão crescendo, vão surgindo medos reais ou imaginários relativos a perigos e ameaças”, fala.

A também psicóloga Viviane Cony Engelke, da Clínica Fonothom, explica que até os 6 meses de idade, o medo aparece por conta de barulhos intensos e quedas. Entre 7 a 12 meses, acontece pela separação dos pais ou responsáveis, pela presença de pessoas estranhas e altura. Já dos 2 aos 5 anos, além da separação dos pais, há também o medo de dormir sozinho, mudanças de ambientes, barulhos estranhos, escuro e animais.

Por volta dos 6 a 8 anos, o que causa temor é dormir sozinho, escuro, trovão, ladrões, monstros, pessoas fantasiadas e perder os pais. Um pouco mais velhos, entre 9 e 12 anos, a morte, o futuro e o desempenho escolar começam a amedrontar as crianças. E entres os 13 e os 18 anos aparecem devido à sexualidade, adaptação social, futuro, e quando não se enquadram em grupos.

MAS COMO OS PAIS PODEM AJUDAR?

Antes de tudo, não devem jamais menosprezar o sentimento do filho e lembrar que cada medo, independentemente da faixa etária, é muito real para quem sente, e acolher é primordial para que a criança/adolescente passe e supere o medo. Escute seu filho, passe confiança, fale que você também tem medo de algumas coisas, que é normal e que juntos vocês podem superar, ela aconselha.

"Não fale que é bobeira, que ela é medrosa, não reforce, rotule ou exponha a criança para as outras pessoas. Por exemplo, se ela disser que tem medo de fantasma, explique que eles são imaginários, de faz de conta, mas que você entende o que ela sente. Se precisar, mostre que não tem nada debaixo da cama e que, se ela precisar, é só chamar que você estará lá. As explicações devem ser dadas conforme a necessidade for aparecendo, entendendo sempre que cada criança entende e reage no seu tempo. Portanto, não as compare com outras crianças”, esclarece Viviane.

Já com os mais velhos, que normalmente têm medos mais realistas - mas nem por isso menos dolorosos -, o melhor caminho também é a conversa e o apoio. “Fale sobre estar junto nos momentos de medo, que sempre poderá falar para você como se sente. E não minta sobre algo que você não tem controle. Nesta fase, por exemplo, é muito comum ter medo de alguém próximo morrer. E como falar que isso não irá acontecer com certeza? Não quebre a confiança”, enfatiza.

QUANDO PASSA DOS LIMITES

Embora normalmente racionalizar o medo seja o melhor caminho para ajudar a criança, nem sempre o resultado ocorre como o esperado. Afinal, como explica Viviane Cony, o medo é suscitado pela consciência do perigo, sendo este de origem fundamentada ou irracional. “O medo faz parte de um estado afetivo, que limita ações e que de alguma forma acabam de nos proteger. Porém, quando este se torna paralisante de nossas escolhas, precisa ser tratado, pois traz enorme prejuízo”, pontua. Mas e quando esse medo não passa com o tempo?

Para Mônica Campelo, os pais devem buscar ajuda quando o medo infantil passa a tornar excessivo ou fantasioso. “Como as crianças não sabem administrar o medo, ela poderá desenvolver transtornos de ansiedade e fobias. E, assim, passar a ter medo de situações que não apresentam ameaças reais. O quanto antes identificar as causas das queixas, mais rápido será a consequente solução”, enfatiza. Ela diz, ainda, que a terapia cognitivo comportamental muito pode contribuir para os casos dos medos infantis, já que essa abordagem tem como objetivo estudar os pensamentos disfuncionais que denominamos para os adultos.

“No universo infantil, são os pensamentos que fazem parte e movimentam o mundo imaginário repleto de fantasias. O medo, portanto, é gerado pelos pensamentos, e na terapia infantil esse medo será desmistificado através de exercícios e práticas para ajudar a criança ou adolescente a compreender a origem dos medos, como distinguir o que é fantasioso e o que é real e aprender a lidar com os desafios do seu dia a dia”, esclarece.

Já Viviane diz que a terapia é indicada quando o medo paralisa, quando se torna patológico. “O medo natural nos protege, mas quando ele se torna um obstáculo, causando angustia e ansiedade, é hora de procurar um profissional”, determina. Entre os sintomas que os pais devem ficar atentos e que indicam a necessidade de procurar ajuda, estão a sinalização da escola sobre o comportamento da criança, ansiedade, agitação, apatia, tristeza, desânimo, mudança de humor e choro frequente. “Crianças sentem medo sim, mas o único medo que elas não podem ter é de confiar em seus pais”, alerta.

E passar dos limites quando falamos sobre medo não significa apenas continuar aterrorizado com algo. Algumas crianças, especialmente quando mais velhas e já na adolescência, costumam gostar de brincar de desafiar os medos. E é preciso muito cuidado por parte dos pais. Nicole Prado, responsável pelos atendimentos da ONG Natureza Conecta, explica que crianças a partir de 5 anos, por não terem noção das consequências, podem acabar correndo perigos reais quando se desafiam.

“Isso geralmente acontece porque acham que, mostrando que estão superando o medo, os pais e amigos vão enxerga-las como corajosas e dar um tratamento especial. Algumas também podem querer imitar super heróis, que são figuras que denotam coragem, e se acidentar de forma bastante perigosa. Ja os adolescentes, que já possuem noção de tempo e finitude, fazem isso porque dão importância às recompensas em potencial, vindas de uma escolha arriscada, e não pesam os custos que podem vir dessas decisões. Entre esses riscos estão práticas sexuais sem a devida proteção e conhecimento, se dedicar a esportes radicais, dirigir em alta velocidade após beber, entre outros comportamentos que podem ser bastante nocivos e arriscados”, determina.

SUPORTE LÚDICO

Uma das ferramentas que podem ajudar os pequenos a entenderem e enfrentarem seus medos é a literatura. A seguir, alguns títulos que podem colaborar nessa missão.

“Quando tudo isso passar” – O livro apresenta a visão de Pedro sobre a quarentena e a pandemia do novo coronavírus. Ao ficar em seu apartamento, sem poder sair, o menino imagina como é o combate à doença, aprende a lidar com o tédio, o medo e a saudade, mas, ao longo do tempo, descobre novas situações e passa a olhar o mundo ao seu redor de uma forma diferente. Autor: Sara Puerta. Editora Aletria.

“Às Vezes eu Tenho Medo: um Livro Sobre o Medo” - A autora ajuda os jovens leitores a compreender o que significa ter medo e como encontrar coragem e apoio dos amigos e das pessoas que amam. Autora: Michaelene Mundy. Editora Paulus.

“O monstro das cores” - Publicado originalmente em 2012, o livro vendeu mais de 200.000 exemplares na Espanha e foi traduzido para 16 idiomas. A história estimula as crianças a identificar as diferentes emoções que sentem, como alegria, tristeza, raiva, medo e calma, através de cores. Por sua história cativante, "O monstro das cores" tornou-se o livro de cabeceira de milhares de famílias e educadores. O monstro das cores não sabe o que se passa com ele. Fez uma bagunça com suas emoções e agora precisa desembolar tudo. Será capaz de pôr em ordem a alegria, a tristeza, a raiva, o medo e a calma? Autora: Anna Llenas. Editora Aletria.

“O sapo iluminado” - O protagonista desta história vive desconfortável na própria pele. Meio acuado, ele parece abrigar dentro de si um medo que chega a imobilizá-lo. Até que um dia tudo isso muda. A obra escrita por Tânia Cristina Dias e ilustrada por Carol Fernandes constrói de maneira poética a trajetória de um sapo que se reinventa e descobre a alegria de ser ele mesmo, aceitando sua própria natureza e tornando-se cada vez mais interessado em experimentar suas potencialidades. Autora: Tânia Cristina Dias. Editora Aletria.

“Quem Tem Medo de Quê?” - Todo mundo tem medo - e isso pode ser até bom. O que a gente não precisa é ter medo das coisas que não existem. Nos livros desta série, você vai conversar sobre seus medos e descobrir outros que nem imaginava. E, principalmente, vai aprender que o humor é a melhor maneira de enfrentá-los! Autora: Ruth Rocha. Editora Salamandra.

“Alguns medos e seus segredos” - Nas três histórias criadas por Ana Maria Machado – “Mãe com medo de lagartixa”, “Com licença, seu bicho-papão” e “O lobo mau e o valente caçador” -, a autora narra, com humor e graça de quem sabe se aproximar do jovem leitor, que medo não é privilégio de alguns. Um jeito gostoso de tratar dos medos com as crianças, desses das histórias do livro e de outros tão presentes no cotidiano infantil – medo do escuro, de dentista, da escola etc. Todo mundo morre, mesmo de medo de alguma coisa. Todo mundo tem seu medo, cada um tem seu segredo. Quem parece sempre forte, no fundo é meio sem sorte: tem que aguentar bem sozinho, sem ajuda, nem carinho: – A mãe é que nem a gente. E gente se assusta, chora, ri, fala, inventa, conta, grita e cochicha. Autora: Ana Maria Machado. Editora Global.

“O medo que mora embaixo da cama” - O medo do escuro é um desafio para qualquer criança – e, para falar a verdade, até para alguns marmanjos. Nada mais inútil do que os pais garantirem que não há razão para isso. O temor dos pequenos não tem nada de ficção, ainda que as causas não sejam reais, e deve ser respeitado. Cada criança, no seu tempo, aprende que os calafrios sentidos no escurinho do quarto têm tudo a ver com a própria imaginação. É o que acontece com João, o pequeno protagonista de O medo que mora embaixo da cama. Escrito por Mariza Tavares e ilustrado por Nina Millen, o livro acompanha o menino numa noite em que ele se enche de coragem e derrota, um a um, seus temores mais profundos. O medo, descobre João, não morava sob a cama nem na escuridão, mas dentro dele mesmo. A partir daí, os mesmos elementos e fantasias que antes despertavam aflição e ansiedade transformam-se em matéria-prima para os sonhos mais divertidos. Autora: Mariza Tavares. Editora Globinho.

“Quando Eu Sinto Medo” - A ideia da "coleção sentimentos e emoções" é abrir um canal de comunicação para que crianças e adultos consigam identificar tais sentimentos e aprendam a expressar suas emoções dizendo como se sentem, mas sem deixar de lado a outra pessoa. O escritor james misse lança um olhar diferenciado sobre o tema e nos desafia a trabalhar nossas emoções e sentimentos para que, assim, possamos ser mais felizes. Autor: James Misse. Editora Pé da Letra.

*PRISCILA CORREIA é jornalista, especializada no segmento materno-infantil. Entusiasta do empreendedorismo materno e da parentalidade positiva, é criadora do Aventuras Maternas, com conteúdo sobre educação infantil, responsabilidade social, saúde na infância, entre outros temas. Instagram:@aventurasmaternas