AnaMaria
Busca
Facebook AnaMariaTwitter AnaMariaInstagram AnaMariaYoutube AnaMariaTiktok AnaMariaSpotify AnaMaria
Exclusivas / Famosos

Em exclusiva, Mariana Sena fala sobre racismo na dramaturgia

Entre detalhes da vida pessoal, Mariana Sena conta como deixou de ser fonoaudióloga e passou a trabalhar como atriz

Karla Precioso

por Karla Precioso

kprecioso@editoracaras.com.br

Publicado em 06/05/2023, às 08h00

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Mariana Sena era quase fonoaudióloga, mas virou atriz - Instagram/@marianasena
Mariana Sena era quase fonoaudióloga, mas virou atriz - Instagram/@marianasena

Mar do Sertão, da Globo, marcou a estreia em novela de Mariana Sena. No papel de Lorena, ela contracenou com grandes nomes, fazendo valer a decisão que tomou: a atriz cursava Fonoaudiologia e, para entrar na trama, desistiu da faculdade faltando apenas um período para finalizar. Uma mudança inusitada, como muita gente pensa, mas, para ela, as duas carreiras têm bastante similaridade.

“Atuar é puramente exercitar meu lado humano, entender a lógica e as necessidades do personagem, a ponto de dar corpo e voz a ele. E o que é a Fonoaudiologia se não um conjunto de manobras que aprimoram e dão corpo à comunicação?”, questiona. 

Tamanho talento já a fez brilhar também nas séries Spectros, da Netflix, Todas As Mulheres do Mundo e Segunda Chamada, do Globoplay. Mariana deve mesmo celebrar o sucesso, pois luta desde cedo por um lugar de protagonismo. Para arcar com o aluguel em São Paulo, cidade que a acolheu quando tinha 18 anos, trabalhou como garçonete e caixa de restaurante. Também foi a primeira pessoa a passar em uma universidade pública na família. 

Determinada, sonha alto e arregaça as mangas para conquistar os objetivos, sabendo bem se posicionar na vida: “Cresci estimulada a correr atrás do que quero, sabendo discutir e distinguir respeito e abuso. Meus pais me formaram para ser uma mulher dona de si e... sem papas na língua!”

Confira a entrevista completa:

Mariana Sena, uma quase fonoaudióloga que virou atriz. Como se deu essa mudança? É uma área bem diferente da outra, não acha?

Consigo enxergar mais similaridades nas duas áreas do que diferenças. A Fonoaudiologia é um trabalho árduo, mas também de muita delicadeza, e vejo muita arte nisso. É um exercício de empatia grande, que vai desde envolver e gerar interesse do paciente na terapia/ tratamento, até você ouvir suas queixas e adaptar as manobras terapêuticas às necessidades dele. É uma profissão humana e atuar é exercitar meu lado humano, entender a lógica e as necessidades do personagem, a ponto de dar corpo e voz a ele. E o que é a Fonoaudiologia se não um conjunto de manobras que aprimoram e dão corpo à comunicação?

Com discursos de seus pais sobre a negritude, você foi preparada para entender questões relacionadas à cor de sua pele perante uma sociedade racista. Isso ajudou você a se ‘entender’ hoje como mulher preta?

O que meus pais fizeram não foi um preparo para eu entender só questões sobre negritude. Eles criaram a mim e a meus irmãos nos preparando para que nos defendêssemos diante de todas as situações, sempre com humildade e respeito. O que é muito louco é que eles sempre foram muito simples. Sou de família pobre e, mesmo eles não tendo um conhecimento teórico ou histórico sobre o racismo, tudo o que me passaram foi sobre ser uma pessoa preta na prática, baseado no que viveram e que não queriam ver os filhos passando pelo mesmo. Muito do meu caráter foi formado tendo por base esses ensinamentos. Cresci sendo estimulada a me posicionar, sabendo discutir e distinguir respeito e abuso, ter escuta, correr atrás do que eu quero, do que eu tanto desejo. Meus pais me formaram para ser uma mulher independente, dona de si... e sem papas na língua. E acho que eles fizeram isso muito bem [risos].

Foi dentro de casa, então, que entendeu o que é empoderamento?

Sim, foi em casa que aprendi a me defender, me formar potente, entender que sou capaz de dar meus pulos para conquistar o que quero. Mesmo sabendo que a vida é bem mais difícil para quem é preto, tenho em mim que nada é impossível e que precisamos manter a força e a coragem para alcançar as melhorias que desejamos.

Sente o racismo ainda muito presente na dramaturgia?

Se ele é presente na vida e cotidiano das pessoas pretas, é uma ilusão acharmos que na dramaturgia é diferente. Eu sempre falo que as produções dramatúrgicas só vão deixar de ser preconceituosas quando assistirmos a uma história que tenha, além de um elenco majoritariamente preto, uma narrativa que não nos coloque em papéis minoritários, com narrativas que reforcem o discurso de desigualdade e sofrimento. Desejo muito que um dia a gente alcance um patamar em que possamos assistir a atores pretos interpretando médicos, presidentes, banqueiros, donos de empresas, e não apenas empregados e escravos. Só quando o espectador não estranhar em nos ver nesses outros papéis passará a acreditar que devemos e somos capazes de ocupar esses lugares na vida real também.

E na vida real, o preconceito é ainda mais latente?

Não só é latente como muito presente e assassino. Acho, inclusive, fundamental a gente dar o nome correto a isso. Tenho problemas com a palavra preconceito, porque ele significa uma ideia pré-concebida de algo ou alguém sem muito critério. O racismo é uma prática bem construída, tem critério ao ser executado, é articulado, escolhe quem vive e quem morre. Reduzir essa violência à palavra preconceito é amenizar o peso e responsabilidade do racismo. Então, sim, o racismo não é uma ficção e é presente e latente na vida real.

Quem são as pessoas que te inspiram na militância e luta pela igualdade racial?

Sou uma leitora assídua de livros sociológicos. Tenho também o privilégio de ter uma irmã socióloga com quem aprendo muito. Leio bastante Lélia Gonzalez, Angela Davis, Ruth de Souza, Carolina Maria de Jesus, Beatriz Nascimento, Conceição Evaristo, que são símbolos da luta antirracista, além das minhas inspirações particulares: as mulheres da minha família. Elas são inspirações de militantes na prática.

Você já declarou: “O brasileiro domina a arte de ser racista com a sutileza”. Reafirma isso?

Sim! A branquitude brasileira domina bem a maneira como se esconde atrás dos seus preconceitos, e isso só vai mudar quando toda a estrutura educacional e política do País se ressignificar e se assumir responsável pela desigualdade e genocídio que atinge o povo preto. Só assim vai ser possível transformar a maneira como a população preta é tratada e marginalizada. A grande questão do racismo é que ele é negligenciado e tratado como um ‘problema banal’, mas o racismo mata. Uma mentalidade racista dita a todo momento quem tem ou não o direito à vida. Um governo e uma sociedade racista tiram da parcela preta da sociedade o direito à segurança pública, saneamento básico, educação de qualidade, oportunidade de trabalho, e valoriza o discurso de que preto é bandido, permitindo que o Estado nos veja como ameaça.

Em Mar do Sertão, sua personagem Lorena é sonhadora e quer muito um novo marido. Mariana Sena também é sonhadora assim?

Mariana sonha muito, mas um marido não faz parte disso, não [risos]. Meus sonhos têm muito mais a ver com realizações profissionais, viagens, conquistas pessoais, ter uma casa própria, um carro, entre outras milhões de realizações. Óbvio que desejo, sim, encontrar uma pessoa que me acompanhe na realização dos meus sonhos, porque já entendi que não nasci para ficar sozinha [risos novamente], mas acredito que isso é mais uma consequência dos encontros que tive e terei do que um sonho de fato, entende?

Além de sonhadora, ela também é divertida, pra cima e uma amiga fiel. O que a Mariana tem da Lorena? 

Isso tudo [risos]! Mariana também é divertida, pra cima, sincera, uma pessoa fiel com quem ama, que se defende e defende quem está com ela. É amiga pau pra toda obra [risos].

Quando iniciou a segunda fase da novela, você assumiu os cabelos naturais, potentes. Sua força como mulher preta também vem dos cabelos?

Não acredito muito nisso... de que a força de alguém vem dos cabelos [risos]. Minha força vem da minha formação como pessoa, das minhas experiências, fé em meus ancestrais e relação com a família e as pessoas com quem convivo. Tenho uma relação puramente estética com meu cabelo. Claro que passei por um processo de transformação importante para a construção da minha autoestima. Alisei o cabelo a adolescência toda, mas a transição capilar foi tranquila. Num dia alisava, no outro decidi trançar... E, meses depois, decidi experimentar o cabelo black. Para mim, foi só um corte de cabelo novo, não foi para me afirmar como preta, até porque sempre foi nítido em mim que sou essa pessoa e nunca tive a necessidade de me assumir como preta. E outra coisa: quem olha para mim, não tem dúvida de que sou preta. Então, qual a necessidade de reafirmar algo [risos]?

Você brilhou muito em séries. Agora, se destaca na trama de Mário Teixeira. Sorte, privilégio ou talento?

Acredito que um pouco de tudo, mas também muito estudo, vontade e insistência [risos novamente].

Uma certeza…

Sempre tentar. Sou insistente quando se trata de conseguir algo que quero.