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Como o uso do celular interfere na educação infantil?

Quem está educando nossos filhos? Especialistas argumentam sobre os prós e contras do uso das telas na rotina de crianças e adolescentes

Priscila Correia Publicado em 29/02/2024, às 13h53

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Celulares na escola: ajudam ou atrapalham o ensino? - Priscila Correia
Celulares na escola: ajudam ou atrapalham o ensino? - Priscila Correia

Em meio à preocupação sobre o tempo de tela que nossos filhos têm diariamente, um novo debate surgiu com a volta às aulas: é viável que crianças e adolescentes tenham acesso à Internet nas escolas? As instituições de ensino não deveriam proibir o uso desse aparelhos em sala de aula? E vamos além, afinal, quem está educando nossas crianças diante de tanto tempo nas telas? 

Sim, sabemos que não é possível bloquearmos integralmente o acesso dos nossos filhos às telas ou outros dispositivos digitais, diante até mesmo de demandas que vêm das escolas. Porém, quando falamos de educação infantil e para adolescentes é necessário pensar em regras e gestão do tempo online pelo bem da saúde deles a curto e longo prazo.

Segundo pesquisas, crianças maiores e adolescentes passam cerca de 10h por dia no telefone - desse tempo, inclusive, boa parte é quando estão nas escolas. São horas e mais horas em que eles deixam de interagir presencialmente com amigos e família, ou em que são distraídos das aulas e tempo de estudo por conteúdos muitas vezes inapropriados, em que não se dedicam a nenhuma outra atividade ou simplesmente consomem algo que nem sequer lembram poucas horas depois.

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) tem alertado sobre o limite de tempo de tela para crianças. De acordo com especialistas, menores de 2 anos não devem ter nenhum contato com telas ou videogames; dos 2 aos 5 anos podem ficar até uma hora por dia; dos 6 aos 10 anos entre uma e duas horas por dia; e dos 11 aos 18 anos até três horas por dia. Entretanto, como sabemos por observação dos nossos filhos, esses números, infelizmente, não correspondem à realidade.

Como escrito acima, pensar que podemos controlar 100% do tempo de tela dos nossos filhos, a partir do momento em que socializam com outras crianças é quase utópico. Afinal, mesmo que haja um controle parental em casa, isso não significa que o mesmo acontece na casa dos amigos ou mesmo nas escolas. E o contato com telefones e tablets acaba acontecendo precocemente, muitas vezes.

Entretanto, podemos, e devemos indagar às escolas sobre como estão limitando esses acessos e o que têm feito para coibir atitudes indisciplinadas de alunos que insistem em usar telas em ambientes e momentos em que a atenção deve ser apenas com o aprendizado passado pelo professor. E para ajudar a entendermos melhor essa questão, na coluna de hoje conversamos com diferentes especialistas sobre o assunto.

UM CAMINHO SEM VOLTA

Se por um lado a comunicação, atualmente, se faz em grande parte por meio desses aparelhos, por outro há uma preocupação crescente com a forma que essa “dependência eletrônica” pode afetar os nossos filhos. Indo além, ao pensarmos nessa realidade dentro das escolas, ainda paira a questão sobre como isso pode afetar o rendimento escolar.

Joyci Vieira, gestora pedagógica da Escola Crescimento, comenta que o uso de celulares por crianças e adolescentes na escola é sempre um assunto amplamente debatido e existem os que são contrários por acreditar ser uma distração para os alunos, enquanto outros veem valor em seu potencial educativo. “A tecnologia oferece acesso a uma ampla gama de recursos educacionais como vídeos, aplicativos interativos, cursos online e plataformas de aprendizado adaptativo, que podem complementar e enriquecer a experiência de aprendizado dos alunos, além disso, permite a personalização da aprendizagem, adaptando o conteúdo e as atividades de acordo com as necessidades e estilos de aprendizagem de cada aluno, promovendo um aprendizado mais eficaz e significativo. Entendemos que as ferramentas tecnológicas facilitam a colaboração entre alunos e os professores, permitindo o compartilhamento de recursos, a comunicação instantânea e a colaboração em projetos que aumentam o engajamento dos alunos, tornando o aprendizado mais interativo e desenvolvendo habilidades essenciais para o século XXI, como pensamento crítico, resolução de problemas, colaboração, comunicação e alfabetização digital”, diz.

A psicóloga e psicanalista Luciana Inocêncio, que é especialista no atendimento psicoterápico de crianças e adolescentes e autora dos livros “Psicanálise Presente na Vida Cotidiana” e “As Aventuras de Elvis” (Linha Infantil), explica que o uso do celular em sala de aula ainda é tema de debate. “Após o avanço da Tecnologia e a mobilidade e a flexibilidade no uso dos dispositivos móveis de telefonia, o assunto vem sendo discutido com frequência, sobretudo devido às suas consequências. Segundo relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), smartphones devem ser proibidos nas escolas, a fim de se evitar a interrupção do aprendizado em sala de aula. Em tese, a ideia é melhorar o ensino, ajudar a proteger as crianças e os jovens contra o cyberbullying, e fazer com que eles não se distraiam com os aparelhos”, explica. Também de acordo com o relatório da Unesco, há evidências de que a utilização excessiva de telefones celulares está relacionada a baixo desempenho educacional e que altos níveis de tempo de tela têm efeito prejudicial no desenvolvimento psicoemocional dos estudantes. O texto defende, ainda, que o apelo para a proibição de smartphones envia uma mensagem clara de que a Tecnologia Digital como um todo, incluindo a Inteligência Artificial (AI), deve sempre ser subordinada à uma "visão centrada no ser humano, na Educação, no uso disciplinado e nunca substituir a interação presencial com os professores". “Sendo assim, os prós e os contras no uso do celular em sala de aula podem variar, dependendo de diferentes fatores, como o contexto cultural, a idade dos alunos, o tipo de ensino proposto e objetivos pedagógicos de cada escola”, esclarece.

Joyci lembra, ainda, que o uso do celular em sala de aula pode distrair os alunos com notificações de mensagens, redes sociais, jogos e outros aplicativos, fazendo com que percam explicações importantes do professor, que pode resultar em uma compreensão inadequada do objeto de estudo, ocasionando queda no desempenho acadêmico. “Para evitar essas situações, a escola deve criar comunicações e políticas claras sobre o uso de celulares, oferecer espaços livres para utilização dos equipamentos e aproximar sua prática pedagógica ao uso da tecnologia, gerando envolvimento dos estudantes”, sugere.

Já a pedagoga Danielle Tavares, Coordenadora geral do ensino bilíngue do Colégio e Curso PENSI e do PENSI+, comenta que diante da rápida evolução tecnológica e da crescente influência de dispositivos eletrônicos na vida cotidiana, a escola reconhece a importância de estabelecer diretrizes claras para o uso de celulares e aparelhos eletrônicos no contexto educacional. “A presença do celular em sala de aula pode interferir nos estudos de diversas formas, desde distrações até o uso inadequado durante as atividades pedagógicas. Portanto, com o intuito de criar um ambiente de aprendizagem mais centrado e livre de distrações, a escola optou por não fazer uso desses dispositivos para atividades pedagógicas até o 5º Ano. Para mitigar esse impacto, é essencial promovermos um ambiente de aprendizagem que estimule a participação ativa dos alunos, oferecendo alternativas de engajamento que valorizem a interação face a face e o uso consciente da tecnologia. Essa decisão visa proporcionar uma experiência de ensino mais focada e garantir que os alunos se envolvam plenamente nas atividades propostas, sobretudo nessa faixa etária, em que estão em pleno desenvolvimento cerebral, demandando uma abordagem ainda mais diligente em relação ao uso harmonioso da tecnologia”, diz. É importante salientar, ainda, que mesmo a partir do 6o Ano, é estritamente proibido o uso de celulares e/ou aparelhos eletrônicos durante as aulas, atividades pedagógicas e eventos escolares, a menos que haja instruções específicas dos professores para fins educacionais. Para o aluno que insistir em fazer uso de celulares ou eletrônicos, a escola busca abordar a situação de forma educativa e construtiva. “Isso pode envolver desde conversas individuais até medidas disciplinares proporcionais, sempre com o objetivo de promover a reflexão sobre as consequências de suas ações e estimular uma mudança de comportamento”, complementa.

Helton Moreira, que é Diretor Regional do PB Curso e Colégio, acredita que o celular dispersa a atenção e prejudica o processo de aprendizagem. “Exigir o desligamento dos aparelhos no início das aulas é uma boa saída, mas exige vigilância constante dos professores e corpo pedagógico. Uma outra saída mais radical, mas que tem sido cada vez mais adotada, é a proibição da entrada com celular na escola”, conta. Inclusive, diz, usar celular em sala é considerado uma infração por leis municipais em diversas cidades pelo Brasil.

Para Andressa Luzirão, que é gestora e educomunicadora do Instituto Devir Educom e do projeto Memórias em Rede, o celular é um recurso tecnológico que faz parte da cultura contemporânea e, portanto, é importante considerá-lo, bem como outras plataformas midiáticas, nos processos de ensino-aprendizagem, inclusive como forma de engajar os estudantes na construção do conhecimento. “Esse uso, claro, precisa ocorrer a partir de uma intencionalidade educativa e com equilíbrio e bom senso. Esse trabalho perpassa a conscientização dos alunos, a fim de que o uso aleatório e excessivo não tenha impacto nos processos educativos e na saúde mental”, diz.

A neuropsicopedagoga especialista em educação especial Naira Ferreira, que é responsável pelo serviço de Orientação Educacional referente às turmas do Ensino Fundamental II e Ensino Médio no Colégio Hélio Alonso, comenta, ainda, que o perigo são os excessos. “É, portanto, inadequado demonizar ou endeusar o uso de celulares. O importante é o uso controlado, assim como ter uma rotina organizada para não sobrecarregar o cérebro. Muitos hábitos podem sobrecarregar o cérebro: alimentação e sono inadequados, excesso de tecnologia, falta de exercícios físicos, mentais e sociais. Acredito que essa visão geral de desenvolvimento do indivíduo é o que falta para lidar com os desafios atuais. A preocupação com a interação social do jovem é legítima, mas muitas vezes a interação não acontece, simplesmente pela dificuldade ou falta de desejo do adolescente interagir. E, não, pela concorrência do celular. É necessário que os adultos da escola ou da família estejam atentos às práticas dos jovens, suas necessidades e reais emoções”, detalha.  

Mas há quem não aprove celulares em nenhuma situação. Cris Poli, a ex Super Nanny SBT, que é escritora, palestrante, pedagoga e coordenadora na EDF - Escola do Futuro, diz que o fato das crianças e adolescentes levarem celulares para a escola é muito prejudicial, em todos os pontos de vista, já que além de ser um foco de distração e interferência na transmissão do conhecimento dentro da sala de aula, impede a comunicação e interação dos alunos durante os intervalos. “Os alunos se distraem com o uso do celular e, por isso, não prestam atenção na aula e nas atividades escolares e ainda ficam conversando por aplicativos de mensagens entre si, com os pais ou com amigos fora do colégio. Por isso, é fundamental que a escola se posicione com a decisão de não permitir o uso do celular durante as aulas. Os pais e responsáveis não apresentam resistência a essa restrição, já que o objetivo é um ensino e aprendizado com maior qualidade”, enfatiza. Para Silvia Tocci Masini, educadora, psicanalista e psicopedagoga da EDF, tudo que tira o foco da criança e do jovem da aprendizagem e da socialização dentro da escola, não é benéfico. “O uso do celular durante um período longo acaba fazendo esse papel. Agora é o momento de resgatar a escola e a aprendizagem dos alunos e orientá-los qual a melhor forma de usar a tecnologia a favor deles”, detalha.

O DIA A DIA NAS ESCOLAS 

Para Andressa Luzirão, embora algumas gestões públicas e escolas privadas no Brasil e em outros países tenham proibido o uso de celular na escola, inclusive no recreio, ela não acredita que esse seja o caminho. “No Instituto Devir Educom, onde desenvolvemos o projeto Memórias em Rede na perspectiva da Educomunicação em escolas públicas de Santos, entendemos que o caráter proibitivo e punitivo de qualquer medida tende a não conscientizar o estudante quanto ao uso equilibrado e responsável desse recurso tecnológico. É preciso fazer um chamamento à reflexão para que a tecnologia humana saiba bem utilizar as tecnologias digitais”, comenta.

Na Escola Crescimento, caso alguém não siga as regras sobre uso de celular em sala de aula, mesmo após a orientação realizada pela Coordenação de Tutoria e Relacionamento, de forma clara e objetiva, além do compartilhamento do guia disciplinar, é possível aplicar as sanções disciplinares, que podem variar de acordo com a gravidade da ação, podendo incluir advertências verbais e/ ou escritas, perda do direito de usar o celular na escola, recolhimento temporário do celular, notificação aos pais ou responsáveis e participação no programa de orientação educacional sobre o uso consciente e responsável de dispositivos eletrônicos. “É importante ressaltar que nossa missão é auxiliar no desenvolvimento das habilidades sociais, promovendo espaços de troca , reflexão e aprendizado”, comenta Joyci Vieira.

Naira Ferreira lembra que a escola é a instituição em que, muitas vezes, crianças e jovens têm a primeira ou a maior experiência de aprender a cumprir regras. “É natural percebermos incômodo, desconforto e, às vezes, raiva. A escola, então, precisa estabelecer regras que devem ser cumpridas, mesmo que o indivíduo em formação esteja em desagrado, pois esse é o espaço de aprender a se relacionar coletivamente com pessoas diferentes, mas com regras em comum. Educar nunca foi nem nunca será fácil, principalmente em uma sociedade pós pandemia. Sejam quais regras forem, se existem precisam ser cumpridas. Assim se faz com uso de uniforme, uso de celular, fones de ouvido, conversas paralelas, horário de entrada na escola ou uma simples entrega de tarefa escolar”, diz. Na Hélio Alonso, se o aluno o estiver usando em sala de aula, primeiramente é pedido que o guarde, em modo mudo, na mochila. Caso insista, o celular é retirado do aluno e devolvido na hora da saída. “O celular só é usado em sala de aula como recurso pedagógico do professor. Aí sim, ele pode pedir para que os alunos o retirem da mochila para usá-lo”, exemplifica. No início do ano, inclusive, a coordenação de turno e o serviço de orientação educacional foram às salas falar em que situações o celular pode ser usado. “A direção do colégio também falou sobre o tema na reunião de pais, pedindo que também conversassem com os alunos sobre esse assunto”, complementa. 

Já o Pensi acaba de lançar o manual ‘Conecte-se ao que importa’, que traz informações para todos os colaboradores e pais. “As informações respaldam nossas decisões e reforçam a legitimidade deste manual, reiterando o comprometimento do Pensi em promover um ambiente educacional que valoriza não apenas o conhecimento acadêmico, mas também o desenvolvimento integral de cada estudante. Nosso objetivo ao introduzir este manual é orientar não apenas os estudantes, mas também as famílias, sobre as melhores práticas para o uso consciente da tecnologia. Reconhecemos a importância de alinhar nossos esforços com recomendações de organizações respeitadas, como a UNESCO e a Sociedade Brasileira de Pediatria, que têm destacado os impactos significativos do uso excessivo de celulares no desenvolvimento cognitivo, emocional e social das crianças e adolescentes. Entendemos que o manual é apenas o primeiro passo em direção a uma abordagem mais abrangente para promover uma cidadania digital saudável. Como tal, estamos empenhados em desenvolver um projeto de cidadania digital mais amplo, que não apenas aborde o uso de celulares dentro da sala de aula, mas também leve em consideração o ambiente escolar como um todo e promova a integração dessas práticas na vida diária dos alunos, dentro e fora da escola. Além disso, este projeto de cidadania digital busca desenvolver habilidades e competências essenciais para o século XXI, como pensamento crítico, ética digital, empatia online, entre outras. Através de atividades educativas, debates em sala de aula, projetos colaborativos e parcerias com os pais, visamos capacitar nossos alunos a se tornarem usuários responsáveis e conscientes da tecnologia, preparando-os para enfrentar os desafios e oportunidades do mundo digital de forma segura e construtiva”, detalha Danielle Tavares. 

E, se por um lado celulares permitem que os alunos acessem rapidamente informações e recursos educacionais on-line, tornando a aprendizagem mais dinâmica e atualizada; com uma ampla variedade de aplicativos educacionais disponíveis e pode ser utilizado pelos estudantes como ferramenta de ensino interativa e personalizada; ajudar os alunos a lidarem melhor com a era digital (afinal, a tecnologia é parte essencial da vida cotidiana e do ambiente de estudo e de trabalho e não há como negar isso); o uso de dispositivos móveis pode aumentar o interesse e o engajamento dos alunos nas atividades escolares, tornando o processo de aprendizagem mais atraente; e permite a comunicação fácil entre os alunos e os professores, facilitando a colaboração em projetos e atividades educacionais. Por outro lado, não podemos esquecer que esses aparelhos podem ser uma grande fonte de distração para os alunos, desviando a atenção das atividades de aprendizado; podem aumentar os riscos de cyberbullying e problemas relacionados à segurança on-line dos alunos; podem levar ao isolamento social e à diminuição da face a face entre os alunos; prejudicar a concentração, a atenção e a memória dos alunos e afetar o desenvolvimento de aprendizagem como também sua produtividade acadêmica. É preciso lembrar, ainda, que nem todos os alunos têm acesso igualitário a celular ou a dispositivos semelhantes, o que pode criar desigualdades em sala de aula. Além dos contras já citados, Joyce Vieira elenca, ainda, a dependência digital e a ⁠violação dos direitos de privacidade.

TEMPO LIVRE

O recreio, habitualmente, é muito aguardado pelos alunos quando estão estudando. Afinal, é nesse horário que a maioria costuma socializar, seja conversando, jogando, brincando etc. Entretanto, com o acesso à celulares, muitas crianças e adolescentes preferem ficar conectados, muitas vezes não interagindo com seus pares.

Luciana Inocêncio lembra que, atualmente, a geração é digital, ou seja, crianças e jovens se comunicam virtualmente, mesmo estando um ao lado do outro. “São novos tempos, novas formas de socializar. Porém, isso não quer dizer que não cause prejuízos psicológicos e sociais aos usuários. A socialização, hoje, se encontra fragilizada, muitas vezes porque ficam conectados o tempo todo. Não são poucos os casos desta natureza que chegam ao consultório. Estamos falando de um público que tende a problemas de socialização, de autoaceitação, de baixa estima, entre outros sintomas que podem descambar para transtornos psicológicos e mentais de embotamento social ainda mais graves”, pontua. E essa perda do tempo de brincar e de socializar gera consequências social e emocional, claro. “A criança que não brinca não aprende, não tem interesse, não tem entusiasmo, não demonstra sensibilidade e não desenvolve afetividade pelo outro e nem a própria autoestima. O “brincar” é essencial para que a criança forme conceitos, ideias, percepções e se socialize cada vez mais. O “brincar” auxilia na formação, na socialização, no desenvolvendo de habilidades psicomotoras, sociais, físicas, afetivas, cognitivas e emocionais. Na ausência desta atividade, há a falta de socialização, além do registro de problemas cognitivos e emocionais e, principalmente, o atraso no desenvolvimento infantil, e conflitos de relacionamentos. Somos constituídos psiquicamente para nos relacionarmos socialmente, afetivamente, familiarmente e profissionalmente. Assim, o isolamento que pode ser gerado pelo uso inadequado e exagerado de celular é totalmente prejudicial”, explica Luciana. 

Para Andressa, cabe à escola, em sua política pedagógica, desenvolver ações, atividades, projetos e campanhas que incentivem a conexão olho no olho, sem desconsiderar a conexão digital, já que ela faz parte da vida contemporânea. “A questão central está na problematização e na conscientização desses sujeitos. Proibir sem problematizar tende a ser uma medida fracassada, que não alcançará o propósito educacional maior, sendo o uso ético e saudável desse recurso”, pontua.

Na escola de Joyci, por exemplo, a Coordenação de Tutoria e Relacionamento, através do programa de convivência e coletividade é responsável por acompanhar os alunos dentro do espaço escolar, mesmo nos momentos livres como o recreio. “Essa ação nos ajuda a mapear possíveis casos de isolamento social, comportamentos inadequados e uso excessivo de aparelhos eletrônicos, oportunizando a criação de estratégias que promovam uma convivência saudável com os colegas”, explica.

Já na Escola do Futuro há uma percepção de que o uso do celular mesmo nos breaks atrapalha a formação de vínculos entre os alunos, o diálogo e a prática de jogos e esportes nesses horários. “Esses são alguns dentre outros motivos para que os alunos não usem celular em horário letivo”, explica Cris Poli. O mesmo acontece no PB. “Ao conceder acesso no horário do recreio, corre-se o risco da redução da interação entre eles. Isso é um fato. No PB, mesmo no recreio é proibido. O celular é recolhido na entrada, liberado na hora do almoço e recolhido novamente se houver atividade pedagógica à tarde”, detalha Helton Moreira.

PAPO RETO

Muitas vezes, pais e responsáveis, ficam preocupados com algumas situações, mas têm receio de conversar sobre o tema com os filhos. Mas não tem jeito: se é algo importante, como acesso a conteúdos impróprios, é preciso abordar o tema.

“Embora seja assunto difícil de falar, é preciso conversar cedo e frequentemente sobre conteúdos impróprios. Isso é fundamental para manter as crianças e os jovens seguros. A conversa deve ser sempre franca e esclarecedora, de acordo com a idade da criança e do adolescente”, diz Luciana Inocência. Além disso, configurar controles parentais para bloquear pornografia e conteúdo on-line explícito pode apoiar conversas regulares, em casa, sobre segurança. “Os pais podem, ainda, ter a opção de limitar o acesso a determinados sites. Além disso, podem revisar o histórico do navegador para ficarem a par dos tipos de sites que os filhos visitam. Caso “flagrem” a criança e o jovem acessando conteúdos impróprios, é importante apostar no diálogo e estabelecer limites e regras”, enfatiza. “O diálogo é tudo na relação entre pais e filhos. E, quanto mais sincero, melhor, pois estes momentos valiosos de conversa levam à uma boa formação emocional, ética, moral, social e afetiva. Crianças e jovens também precisam entender que o porto-seguro deles está em casa, com os pais, a família, e não no ambiente on-line. Se não houver essa aproximação em casa, o celular acaba ocupando esse espaço e, muitas vezes, de maneira equivocada”, determina.  

Andressa comenta, ainda, que embora existam muitas potencialidades e benefícios nos celulares quando bem utilizados, é preciso cuidado com a superabundância de informação, com o mercado de fake news e com um submundo perverso existente na Internet. “E por isso é tão importante conversar com nossos filhos e é urgente educar sobre os conteúdos existentes. Além disso, ela faz um alerta importante: “Os pais, como espelhos, referência e exemplo, também precisam usar o celular com equilíbrio se querem que os filhos desenvolvam bom senso e consciência crítica. A parceria escola-família é essencial para que esse processo seja exitoso”, conclui.

Para pensar: Um estudo recente das Universidades de Chicago, de Cambridge e de Minnesota, nos Estados Unidos, com 3,4 mil estudantes, aponta que, o uso excessivo de smartphones pode desenvolver problemas com bebidas (uso frequente e viciante), nos relacionamentos, e até afetar as notas e o rendimento escolar, além de desencadear ansiedade e depressão. Esses dados corroboram com o pensamento de que é preciso desligar os celulares por um tempo diariamente, porque eles roubam a possibilidade de construção de relacionamentos, e de estabelecer conversas ou momentos de diálogo, seja entre colegas, professores e, principalmente, no âmbito familiar. Ou seja, o aparelho está substituindo a socialização. Entretanto, quando falamos do uso de celulares nas salas de aula, seu uso em atividades pedagógicas é viável, já que o aparelho oferece a possibilidade de acesso à ferramentas presentes na modernidade, incluindo informações e entretenimento - especificamente, nas escolas, o uso do celular deve ser considerado sempre do ponto de vista do coletivo, e nunca de maneira individual, isolada, como uma fuga, um refúgio, algo proibido, ilegal. “Penso que, sem regramento e disciplina, sem limites, é possível termos cada vez mais crianças e adolescentes com a saúde mental e a socialização prejudicada. O ideal não é o impedimento, mas, sim, disciplinar o uso, principalmente em sala de aula. O que está sendo discutido é que cada aluno permaneça com seu celular, durante o aprendizado ou no recreio, produzindo, assim, uma pulverização da possibilidade de estar junto ao outro, pensando, pesquisando, conversando e construindo em conjunto. Afinal, é na escola que a criança e o jovem também têm a possibilidade de aprender a lidar de maneira adequada com o aparelho e com aplicativos”, esclarece Luciana Inocêncio.

*PRISCILA CORREIA é jornalista, especializada no segmento materno-infantil. Entusiasta do empreendedorismo materno e da parentalidade positiva, é criadora do Aventuras Maternas, com conteúdo sobre educação infantil, responsabilidade social, saúde na infância, entre outros temas. Instagram: @aventurasmaternas