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AME: veja as causas e sintomas da doença ''mais cara do mundo''

Mães de crianças com Atrofia Muscular Espinhal falam sobre a luta diária de quem convive com a doença

Reportagem: Beatriz Cresciulo / Edição: Vivian Ortiz Publicado em 11/08/2020, às 09h00

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AME: veja as causas e sintomas da doença ''mais cara do mundo'' - Reprodução/Instagram/Arquivo Pessoal
AME: veja as causas e sintomas da doença ''mais cara do mundo'' - Reprodução/Instagram/Arquivo Pessoal

Quando Letícia Schmitz ficou grávida pela primeira vez, nada pareceu fora do comum, com gestação e parto seguindo o mesmo padrão de tantas outras mães. Matteo Schmitz Piccin Jardim nasceu após 38 semanas, no dia 30 de setembro de 2019. 

Na época, ele já havia sido diagnosticado com Síndrome de Down. Apesar das condições específicas do pequeno, em razão da Trissomia do Cromossomo 21, Matteo seguiu as primeiras semanas sem qualquer indicação de que algo poderia ser diferente. 

Por volta dos 27 dias de vida, porém, seus familiares passaram a notar algumas características diferentes no bebê, como demonstrar um esforço maior para respirar, além de seu choro ser bem fraco. Preocupados, Letícia e o marido, André Piccin Jardim, procuraram ajuda. “Não tínhamos um parâmetro para saber o que era normal dentro do quadro dele e o que não era”, relembra Letícia em entrevista à AnaMaria Digital.

Schmitz conta que, depois de um quadro de cianose, no qual Matteo ficou completamente sem ar, o pequeno foi internado em uma UTI neonatal onde começaram as investigações. O que acabou chamando a atenção dos médicos foi a fraqueza muscular. Depois de resultados inconclusivos nos exames, ele acabou sendo internado novamente. 

“Certo dia, ele teve três cianoses e, na última, não estava voltando. Fomos para a UTI novamente e, nesse ponto, já esperávamos que o resultado para AME seria positivo. Uns 10 dias depois veio a confirmação”, diz. 

Foto: Arquivo Pessoal/ @juntospeloteteo  

PROBLEMA GENÉTICO
A Atrofia Muscular Espinhal (AME) é uma doença rara que acomete bebês e crianças. Ainda assim, segundo estudos científicos avaliados pelo Instituto Nacional de Atrofia Muscular Espinhal (INAME), trata-se da principal causa de morte de bebês por motivo genético. E como toda doença do tipo, a manifestação da atrofia se dá pela combinação dos genes dos pais da criança.

Diovana Loriato, presidente do INAME, explica que, quando dois adultos portadores da mutação têm filhos, existe a chance do bebê nascer portador - ou seja, com o gene diferenciado, mas sem ter a doença manifestada - ou mesmo de desenvolver a AME. “Na população, 1 a cada 50 pessoas, mais ou menos, é portadora desse gene, mas elas nem sabem disso”, explica. 

A AME não causa nenhum tipo de sintoma ou indicação ao longo da gravidez. Loriato relata que até existem exames que podem detectar se o feto nascerá com atrofia, ainda durante a gestação, o que pode adiantar as burocracias necessárias para a busca pelo tratamento. Contudo, por ser um procedimento bastante invasivo e a doença rara, não costuma ser solicitado normalmente. “Se já existem casos de AME na família é quando costuma ser feito. Por exemplo, eu já tinha um filho com AME, então na minha segunda gravidez eu fiz o exame”, conta. 

COMO FUNCIONA A AME

A AME é causada pela deficiência da proteína SMN1, que é usada como alimento para os neurônios motores, que são justamente os responsáveis pela transmissão de informação aos músculos do corpo, viabilizando os estímulos que geram os movimentos. 

Os neurônios motores agem em todos os músculos do organismo que não funcionam de maneira inconsciente. Ou seja, regulam atividades como mastigar e se movimentar. Entretanto, estes não impactam na operação de órgãos como o coração, por exemplo. 

O problema é que uma vez que os neurônios motores não são devidamente alimentados, eles morrem e não podem ser regenerados. O que significa que a doença evolui gradativamente e com um ritmo intenso. 

DIAGNÓSTICO COMPLEXO 
No cenário de quem tem AME, as chaves para uma melhor qualidade de vida são um rápido diagnóstico e acesso ao tratamento. No entanto, a falta de informação e a burocracia para conseguir os remédios são os percalços no caminho dessa luta contra o tempo. 

Para a conclusão do diagnóstico da Atrofia Muscular Espinhal é necessário realizar um teste genético que aponte a deficiência na produção da proteína SMN1. O problema é que, na prática, nem sempre chega-se rapidamente nesta prescrição. 

Para Matteo, o erro no resultado do exame, que deveria indicar todo o sequenciamento dos genes, atrasou o processo na determinação da doença. Além disso, apesar de apresentar os sintomas da atrofia, o fato do bebê também ter Síndrome de Down intensificou toda a investigação. 

AME NO TESTE DO PEZINHO 

Em razão da importância do diagnóstico preciso da AME, uma das principais lutas da comunidade é na adesão da doença no Teste do Pezinho, justamente para descobrir a atrofia o mais rápido possível. Atualmente, as variadas modalidades do exame são capazes de identificar 50 doenças diferentes nas primeiras semanas de vida dos recém-nascidos, mas a atrofia não é uma delas. 

Loriato ressalta que o Teste do Pezinho possibilita a descoberta da AME em um estágio tão prematuro, no qual osprimeiros sintomas sequer se manifestaram. Isso pode significar um futuro diferente para os bebês diagnosticados.  

“No tipo 1 da doença, quando o sintoma aparece e normalmente se tem o diagnóstico, esse bebê já perdeu praticamente 90% dos neurônios motores. Ainda que se consiga fazer o organismo produzir a proteína, os neurônios que já morreram não tem mais volta”, explica.

TIPOS DE AME 

Apesar da AME apresentar manifestações parecidas, existem três tipos mais comuns da doença, que são determinados principalmente pela idade com a qual os bebês desenvolvem os primeiros sintomas e a sua gravidade. 

AME Tipo 1: a mais comum e mais agressiva manifestação da doença. Caracterizada pelo fato dos bebês desenvolverem os sintomas entre 0 e 6 meses. Neste caso, os pequenos apresentam dificuldades para respirar e engolir, além de não conseguirem se sentar sem ajuda. 

AME Tipo 2: os bebês costumam apresentar os sintomas com mais de 6 meses e menos de 1 ano e meio. Nesta variante, os pacientes podem se sentar sem dificuldades, mas não chegam a desenvolver o andar sem auxílio. 

AME Tipo 3: os bebês manifestam os sintomas depois de 1 ano e meio. Neste caso, os pequenos podem se sentar e até aprendem a andar. Entretanto, com a evolução do quadro, podem perder essa habilidade.

TRATAMENTO PARA AME

Os medicamentos e terapias para a Atrofia Muscular Espinhal apresentam melhores resultados o quanto antes forem ministrados nos pacientes, já que assim impedirão a morte de centenas de neurônios motores. 

Aqui no Brasil, o único medicamento aprovado para o tratamento da AME é o Spinraza. O composto permite a produção do SMN1 por meio de um estímulo artificial no organismo. No primeiro ano de aplicação, o bebê deve receber 6 doses da droga, que é aplicada por meio de uma injeção na medula óssea. Depois disso, o paciente deverá fazer uso do remédio de 4 em 4 meses para o resto da sua vida. 

Entretanto, há opções menos invasivas que estão sendo projetadas. O Zolgensma, medicamento que atua de maneira similar ao Spinraza, é uma alternativa intravenosa. Há também o Ridisplam, medicação de via oral, que pode ser ministrada em casa. No entanto, vale ressaltar que ambos ainda estão no processo de avaliação para serem aprovados pela ANVISA.

ROTINA DE TERAPIAS

O desafio do tratamento da AME, porém, não está somente no alto custo dos remédios. Além das aplicações milionárias, os bebês e crianças demandam de uma série de equipamentos especializados e terapias diárias, além de muito conhecimento sobre a doença. 

Lara Cristina Fernandes, mãe de Maya, de três anos e seis meses, explica que o diagnóstico de AME Tipo 1 transformou todos os aspectos da rotina da família. Depois da descoberta da doença, quando a bebê tinha seis meses, a família se mudou de casa, fechou o comércio e o consultório de dentista, se remanejou com home office e criou uma espécie de UTI no quarto de Maya.

Foto: Arquivo Pessoal/ @amemaya2017

No caso da pequena, ela necessita de duas sessões de fisioterapias respiratórias e motoras por dia, fonoterapia, suporte médico semanal, acompanhamento nutricional e atenção máxima de um pediatra especializado na área. “Tudo isso é muito caro. Ela precisa ficar uma hora em pé por dia e para isso usa um equipamento que custou R$ 8 mil. O carrinho que ela anda foi R$ 16 mil, o andador também”, relata Fernandes. 

A dentista conta ainda que, devido ao quadro de saúde da filha, se muniu de todas as informações sobre os tratamentos e equipamentos utilizados pela menina: “Quando tem alguma intercorrência quem age sou eu. Em questão de socorrer até chegarmos ao hospital, eu que faço. Já tive que evitar paradas cardiorrespiratórias e fiz procedimentos em ambulância”, relembra. 

UM ESFORÇO QUE VALE TUDO 

A luta contra a AME é uma batalha intensa que exige a entrega de todos os envolvidos, mas os resultados são inigualáveis. Para Fernandes, é motivo de alegria saber que a sua filha superou as probabilidades, pois a expectativa era de que a menina sobrevivesse no máximo por dois anos. 

Já Schmidt destaca que, mesmo diante das dificuldades de arrecadar dinheiro para pagar o medicamento de Matteo durante a pandemia, jamais perderá a esperança e o empenho na batalha pelo filho. 

“Seu olhar e sorriso dizem tudo, pois sabe que a gente investe e que vai fazer tudo por ele. Muita gente diz ser impossível, que é extremamente difícil, mas é meu único filho, como eu não vou ter esperança? Como não vou mover o mundo pra isso?”, questiona.