AnaMaria
Busca
Facebook AnaMariaTwitter AnaMariaInstagram AnaMariaYoutube AnaMariaTiktok AnaMariaSpotify AnaMaria

Como falar da morte com crianças pequenas? 63% dos pais nunca o fizeram

A psiquiatra Danielle H. Admoni e a psicóloga Monica Machado explicam à AnaMaria como falar da morte com crianças pequenas, além da importância do ato

As crianças precisam passar pelo processo do luto, com o apoio dos pais ou responsáveis, claro. - Foto: Freepik
As crianças precisam passar pelo processo do luto, com o apoio dos pais ou responsáveis, claro. - Foto: Freepik

A morte é um tema complexo e difícil para ser debatido e ainda mais para ser compreendido. Isso, até para os adultos. Agora, imagina para os mais novos? Por isso, é fundamental saber como falar da morte com crianças pequenas.

Por mais que ninguém espere enfrentar a situação, é algo que pode acontecer. E o desconhecimento total sobre o tema pode torná-lo ainda mais doloroso. Uma pesquisa da University College London, realizada em 26 países — incluindo o Brasil, expôs dados sobre a conversa entre pais e filhos:

  • 63% dos pais com filhos entre 5 e 10 anos nunca tinham conversado com as crianças sobre a morte;
  • 21% tiveram apenas uma conversa sobre o assunto;
  • 16% falavam abertamente com seus filhos.

Benefícios de falar da morte com crianças

De acordo com a psiquiatra geral e da Infância e Adolescência Danielle H. Admoni, especialista pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), é normal ter receio de falar da morte com crianças, sobretudo com os filhos. No entanto, os pais não devem se esquivar, se omitir ou mentir sobre o tema.

" Minimizar uma perda fará com que a criança crie pensamentos distorcidos e incompatíveis com a realidade. Isso pode gerar consequências no desenvolvimento psíquico infantil”, ressalta ela.

como falar da morte com crianças pequenas luto
Falar da morte com crianças pequenas ainda é tabu na sociedade. Foto: bearfotos/Freepik

A psicóloga Monica Machado, fundadora da Clínica Ame.C e pós-graduada em Psicanálise e Saúde Mental pelo Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein, acrescenta que falar da morte com a criança pode ajudá-la a compreender aos poucos a finitude.

Desta forma, evita-se potenciais traumas no futuro: "As crianças não devem ser rotuladas como incapazes de lidar com uma perda. Abordar a morte de maneira sensível e apropriada à idade pode ajudar a reduzir o impacto emocional, além de promover um entendimento saudável do ciclo da vida”.

Aborto espontâneo e morte fetal: como lidar com a dor da perda de um filho

Como falar da morte com crianças pequenas?

O ideal é apresentar o tema previamente, antes que a morte de alguém próximo ou de um animal de estimação ocorra de fato. Desta forma, a criança já terá um conhecimento maior sobre o tema, gerando facilidade para compreendê-lo quando de fato acontecer.

De acordo com Admoni, é recomendado sondar os conhecimentos da criança antes de iniciar o assunto diretamente: “Pergunte o que ela entende, até para ter uma ideia do quanto de informação a criança tolera e evitar expor além do necessário. Não são todas que suportam tantos detalhes”.

Monica acrescenta que o responsável por introduzir o assunto deve ser uma pessoa com vínculo com a criança. Além dos pais, a tarefa pode ficar a cargo de tios, padrinhos ou até professores — caso estes aceitem e consigam transmitir a mensagem."Precisa ter o olhar acolhedor, a escuta atenta e a aceitação das reações. Isso é fundamental para que ela consiga processar as informações com total liberdade para exteriorizar suas emoções”. 

O que não fazer?

Nem sempre é possível falar da morte com crianças de maneira prévia. Afinal, o óbito de um ente querido ou outra pessoa próxima pode acontecer antes do período ideal de abordar o tema. Assim sendo, há uma série de coisas que NÃO devem ser feitas pelos adultos.

  • Nada de metáforas ou explicações fantasiosas

Obviamente as crianças precisam de um cuidado maior na hora de receber notícias ruins. Mas isso não significa que os responsáveis devam inventar histórias ou abusar de metáforas para explicar a morte de alguém querido.

Monica destaca que a criança entende as frases exatamente como são ditas. Portanto, nada de dizer que "tal pessoa dormiu", "está descansando" ou "viajando". Tais explicações podem levar a criança a ter uma ideia errada sobre a morte, ou até mesmo sobre hábitos comuns do dia a dia.

Como o sono, que pode passar a gerar temor, por conta da suposta relação com a morte. Ou acreditar que a pessoa que morreu está apenas dormindo e vai acordar. Viagens de familiares também podem ser temidas. Nem mesmo a história das estrelinhas é recomendada: "Imagine a criança olhar para o céu e pensar que todas as estrelas são pessoas mortas?”.

como falar da morte com crianças não usar metáforas
Metáforas podem confundir ainda mais as crianças no momento do luto. - Foto: Freepik

  • Menosprezar sentimentos

Não diminua a dor da criança com a perda — nem a sua. Assim como os adultos, as crianças também precisam enfrentar o processo do luto. E isso passa pela aceitação dos sentimentos tristes. Para Mônica, isso fará a criança perceber que seu próprio sentimento é normal.

"Não tente passar a imagem de que está tudo bem. Pelo contrário: exponha suas emoções e, se tiver vontade, chore. Pode demonstrar que, assim como seu filho, você também está muito triste, e que isso é absolutamente natural”.

Admoni reforça a importância de oferecer oportunidades para a criança expor, da maneira dela, seus medos, sentimentos e dúvidas:  “Mostre que você se importa. Ouça até o final, sem interrupções. Fale somente quando tiver certeza de que disse tudo aquilo que precisava. Essa postura fará com que seu filho sinta conforto para expor as emoções".

O que aprender com o luto na maturidade? Colunista conta a sua experiência

  • A despedida

Alguns pais têm receio de levarem seus filhos para cerimônias de despedida. Entretanto, as especialistas destacam que velórios e enterros não traumatizam as crianças. O ritual ao lado dos adultos pode ser até mesmo benéfico, para que os pequenos também vivenciem a despedida.

Isso, claro, sem forçá-la a ir. É fundamental explicar muito bem como é a cerimônia e perguntar se a criança deseja ir: "Ela precisa saber antes que será triste, e que muitas pessoas estarão chorando. Não decida pela criança que ela não deve ir, mas também não a obrigue se ela não quiser. Também não deixe que se sinta culpada caso não for”.

  • Apoio é fundamental

Por fim, não deixe a criança desamparada: o apoio é fundamental. Monica alerta que é preciso entender que o luto é um processo, e não um evento. Ou seja, demanda tempo — e cada criança precisará do seu para superar a perda.

"Pressionar a criança para voltar à vida normal, sem o tempo necessário, vai implicar em outros problemas ou reações negativas”. A psiquiatra explica que é normal que seu filho apresente mudanças de comportamento, como choro fácil, episódios de raiva, agitação e medo de ir à escola.

“No começo, deixe-o se manifestar como preferir, sem julgamentos. Algumas crianças preferem chorar e gritar, enquanto outros precisam de solidão e silêncio para absorver as informações. Deixe seu filho experimentar as emoções conforme seu temperamento, mas sempre por perto”.

Porém, é preciso saber quando buscar ajuda profissional para a criança que lida com o luto. Episódios de raiva ou hostilidade excessivas, quadros de ansiedade e desmotivação que interferem nas atividades diárias e ausência de qualquer sinal de luto são indicativos: “Chegando neste ponto, é hora de buscar ajuda com profissionais de psiquiatria ou psicologia”, alerta Danielle Admoni.

Leitura para os pequenos: confira 10 livros infantis que passam ensinamentos

Falar da a morte com crianças pequenas é complexo, mas essencial. É preciso abordar o tema com sensibilidade e honestidade, o que ajuda a evitar traumas nos pequenos, além de promover um maior entendimento da vida e da morte.