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Família/Filhos / Comportamento

"Onde tem mãe, tem culpa": como lidar com a autocobrança da maternidade?

Autocobrança é um dos sentimentos comuns das mães; especialistas explicam

*Priscila Correia, do Aventuras Maternas, colunista de AnaMaria Digital Publicado em 05/05/2023, às 08h00

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Maternidade é uma experiência complexa e cheia de autocobrança. - Daiga Ellaby/Unsplash
Maternidade é uma experiência complexa e cheia de autocobrança. - Daiga Ellaby/Unsplash

O Dia das Mães está chegando e, com ele, inúmeras matérias falando sobre as diferentes formas de maternar. E se existe um tema complexo, este é a maternidade, essa experiência repleta tão repleta de desafios e responsabilidades. É impossível não ter nenhum tipo de autocobrança em relação a rotina super movimentada, preocupação com saúde, educação, comportamento, diferentes formas de maternar, apontamentos sobre certo e errado, julgamentos… Ufa! Só de enumerar o básico, já falta o ar, não é mesmo?

Portanto, na coluna desta semana, vamos conversar com especialistas que vão explorar um pouco mais sobre a série de sentimentos e preocupações tão comuns na vida das mães. Biah Medeiros (@ibiahmedeiros), mãe de Nicolli, Noah e Olívia, de 24, 5 e 1 ano e meio, respectivamente, pontua que, para ela, a culpa materna é uma ferida que nunca se fecha, pois quanto mais a criança cresce, mais essa ferida aumenta.

"Fui mãe aos 14 anos e, desde então, esse sentimento nunca me deixou. Não tinha nenhuma condição psicológica para lidar com a situação e nem firmeza para lutar pela minha maternidade. Então, quando a Nicolli nasceu, eu não participei de muita coisa. Aí, quando veio o Noah, e eu prometi que faria tudo diferente, inclusive ter parto natural. Mas a culpa não deixou de existir, assim como também não está sendo diferente com a minha caçula. Os motivos mudam, mas a culpa fica”, conta.

A forma que encontrou para tentar equilibrar essa balança de sentimentos, foi, além da terapia, dividir suas angústias nas redes sociais - o que acaba ajudando não apenas ela, mas também outras mães que passam pelo mesmo. “Hoje, não tenho rede de apoio física, mas tenho uma rede de apoio social e isso é muito importante pra mim”, complementa.

Biah e os filhos
Biah Medeiros e as filhas. (Crédito: Arquivo Pessoal)


A psicóloga Luana Couto (@luanacouto.psicologa) explica que são variados os motivos que levam as mães a, habitualmente, sentirem tanta culpa. Atualmente, segundo ela, um dos fatores envolve o tempo de convívio e atenção aos filhos no dia a dia, principalmente em função do trabalho e demais projetos que demandam dedicação da mulher. "As demandas da criança ficam ainda mais concentradas quando esta mulher não tem suporte para dividi-las com rede de apoio profissional, o pai e a família, podendo contar na maioria das vezes somente com a escola. Considerando também o aspecto social, que reforça tanto nas relações cotidianas quanto nas redes sociais o conceito romantizado de “maternidade perfeita”, esta mulher sofre comumente a sensação de dívida recorrente. Como consequências, podem vir a culpa, o esgotamento e o sentimento de fracasso”, pontua.

Já na visão da psicóloga Angela Alves (@angelaalvesterapias), para se tornar uma boa mãe, muitas mulheres julgam que necessitam doar-se tão completamente e atender a todas as expectativas e interesses de seus filhos, que se torna impossível dividirem as tarefas com outras pessoas por medo de no futuro não serem reconhecidas. “Ao acreditarem na perfeição da maternidade, sofrem perenemente com a sensação de estarem sempre abaixo das expectativas da sociedade relacionadas à maternidade”, diz.

Maiara Mattosinho Soares Zukauskas (@maiaramsz), psicóloga do Instituto de Desenvolvimento Infantil (@institutoinfantil), explica que a culpa acontece porque, histórica e culturalmente, as mulheres sempre foram responsabilizadas pela educação e criação dos filhos, envolvendo-se em todos os cuidados (físicos, emocionais, cognitivos e morais), tendo que garantir o bem-estar da criança e seu pleno desenvolvimento, considerando imprescindível ocupar todos os espaços de ausência, frustração, dor e sofrimento. “Qualquer desvio relacionado ao que se assume enquanto expectativa, pode fazer com que as mães sintam que falharam em suas responsabilidades. Porém, conseguir perceber nossos limites e compreender que o exercício da parentalidade é composto por falhas, nos coloca à frente de um maternar mais leve”, enfatiza

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Além da culpa, outro sentimento bastante comum quando se fala sobre maternidade é sobre a responsabilidade que a mulher toma para si, em relação a criação dos filhos, muitas vezes não conseguindo dividir as tarefas nem mesmo com o outro lado do casal ou pessoas próximas. Segundo a psicóloga Cristina Navalon (@cristinanavalonpsicologa), isso acontece porque o vínculo que as mães têm com seus filhos é algo muito profundo.

“Estamos falando de uma vida que cresceu dentro da barriga dela (na maioria dos casos), que é uma sensação inexplicável. E aí entra a questão da superproteção, de achar que “ninguém vai cuidar como ela cuida”, o que é um perigo. A mãe superprotetora é tão perigosa quanto a mãe reprovadora. Cabe a mãe oferecer um ambiente suficientemente bom àquela criança, mas cabe também ensinar o filho e permitir que este se desenvolva de forma natural”, diz.

Para o psicólogo Vitor Friary (@vitorfriary e @centro_mindfulness_oficial), autor do livro “Mindfulness para Crianças” e fundador do Centro de Mindfulness no Brasil, a crença de que a mãe não está sendo boa o suficiente pode manifestar-se nos sentimentos de culpa ou em um senso de responsabilidade acima do esperado. “É totalmente compreensível, inclusive, que haja um instante em que a mãe se perceba como não dando conta de suas demandas e comece a adoecer por causa disso”, alerta.

Mas até mesmo para mães que dividem a rotina dos filhos com os pais e/ou tenham rede de apoio, é muito comum a mulher tomar a responsabilidade para si sobre tudo relacionado a criação dos filhos.

Uma das explicações para isso pode estar no fato de estarmos vivendo uma fase de mudança cultural, com maior consciência e discussão sobre parentalidade. Na prática, porém, essa “chave” ainda não virou totalmente. No consultório, no atendimento a famílias, crianças e adolescentes, segundo Luana, é comum ouvir de mães e pais as dores da sobrecarga, dado o acúmulo de várias tarefas.

"Para ficar mais claro, experimente perguntar a pessoas da rede de apoio de uma criança coisas sobre: qual sapato precisa trocar, quanto de fruta ainda tem e para quantos dias será suficiente, onde está a lista de compras, como está a agenda da criança etc. Normalmente quem responde a isso são os que centralizam as responsabilidades. Há um provérbio africano que diz: “É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”. Isso significa que muitos adultos, todos interessados no cuidado, segurança e educação das crianças, se dividem e se responsabilizam por elas. Porém, para muitas mães, dividir as tarefas que envolvem os cuidados com os filhos significa se assegurar do mínimo de alinhamento na forma de educar, garantia de segurança física e emocional e vínculo afetivo. São aspectos complexos e necessários para se conciliar e, na equação do dia a dia, não fica simples delegar os cuidados dos filhos”, pontua a especialista.

ALÉM DE MÃES, INDIVÍDUOS

Mas, se a culpa e a autorresponsabilidade são praticamente companheiras constantes das mães, todas nós, por vezes, somos tomadas por uma necessidade de férias dos nossos filhos, que muitas vezes pode ser incompreendida ou mal interpretada por quem está ao nosso redor. E então, novamente, a culpa se instala. Heloisa*, que é mãe de Rafael* e Flavio*, de 6 e 8 anos, conta que já houve momentos em que a vontade de era chegar na casa de um conhecido, deixar os filhos e sumir por uma semana. Mesmo com as duas crianças planejadas, às vezes a exaustão é tão grande que ela diz sentir vontade de procurar familiares e amigos e entregar os pequenos para ter um momento apenas seu.

"Eu sei que ninguém tem nada a ver com os meus problemas de tempo e cansaço, mas gostaria que as pessoas fossem um pouco mais compreensivas sobre esses instantes que todas as mães têm. Aquela frase “quem pariu mateus que o embale” é corretíssima, mas isso não significa que eu não possa pedir ajuda ou um colo as vezes. Ninguém é obrigado a ajudar ninguém, mas seria bom saber que posso contar com isso as vezes”, desabafa.

Ela conta ainda que, além do julgamento sobre “as férias” dos filhos, ainda há a cobrança de nunca perder a paciência ou fazer algo errado. “Quando o meu mais novo era bebê, eu estava em um restaurante e troquei a fralda onde estava. Obviamente que os olhares vieram e não estavam errados. Afinal, estava em um restaurante. Mas a exaustão da mãe, especialmente quando eles são pequenos, é tão grande, que não é raro esquecermos literalmente onde estamos. Não fiz de propósito ou por não ligar para o que os outros pensariam. Nem por achar que as pessoas têm que entender tudo que uma mãe faz. Na verdade, só queremos resolver aquele “problema” e pronto. E tudo ao redor parece que está apagado. E por isso que eu sempre digo para as pessoas: tenham mais paciência com as mães. A ajuda de ninguém é obrigatória, mas as pessoas não têm ideia de como ela é necessária”.

Sobre o caso Heloisa*, é preciso enfatizar que essa vontade de nos sentirmos pessoas além da maternidade é bastante comum, já que muitas acabam ‘exercendo’ apenas o papel de mães por muito tempo. Em algum momento, porém, a necessidade de se conectar com a pessoa que era antes do filho se torna essencial. E é aí que está o problema de muitas mulheres: quando não existe o apoio de quem participa da rotina da família, seja marido, familiares ou amigos, ou acontecem julgamentos sobre aquela mãe não ser perfeita ou não fazer o que os outros esperam, chegam as auto cobranças. E o resultado disso pode ir de isolamento e depressão até episódios de raiva, estresse absoluto e agressividade.

Para Luana, todos estes pontos são verdadeiros e muito perceptíveis em conversas entre mulheres e em relatos em consultório. “A maternidade no mundo atual, embora seja presente o discurso e participação parental, ainda é muito solitária e cheia de julgamentos. Todo o encadeamento de sentimentos que nascem junto com o filho - medos, inseguranças etc -, o excesso de cobrança pessoal e social, o julgamento e pouca ajuda efetiva podem fazer com que a mulher não consiga voltar a olhar para si durante a primeira infância dos filhos e perca a conexão com sua subjetividade.

E necessidades pessoais negligenciadas por longo tempo podem gerar um esvaziamento, perda de sentido, ressentimento, agressividade e, assim, alimentar ciclos viciosos nos relacionamentos”, esclarece. E continua: “O primeiro passo pra que a mulher saia deste cenário é refletir que sua dor é válida, que todo este cenário é complexo e que não é culpa dela estar nesta situação. Segundo é não se comparar, ainda que ela perceba que outra mulher em situação similar faz ‘melhor’. Cada pessoa vive um cenário, busca alternativas pra resolver da melhor forma seus desafios e nem sempre acertaremos ou conseguiremos evitar a dor e sofrimento. Por fim, esta mulher pode começar aos poucos, entendendo que só o fato de se despertar já deu um passo, que pode mudar sem criar expectativas irreais. Vinte minutos por dia pra se dedicar a si, seja lendo um livro no ônibus, tomando um banho com a porta fechada sem interrupção, um tempo pra exercitar sua fé e autocuidado já são passos grandiosos. Por mais que pareça muito pouco, seguir e retomar a própria vida a passos curtos é o mais importante”.

CULPAS QUE AS MÃES NÃO DEVERIAM TER

Como dissemos acima, há algumas situações que são bastante comuns na maioria das famílias, especialmente quando se trata da equação culpa X maternidade. Entretanto, é preciso que nós consigamos nos libertar de algumas dessas culpas – ou pelo menos diminui-las. Por isso, abaixo, listamos algumas frases comuns que escutamos e dizemos com certa frequência e como podemos começar a racionalizar em cima.

Aventuras Maternas: “Não passo o tempo suficiente com meus filhos” - O que fazer para se sentir menos culpada?

Vitor Friary: Esse pensamento não pode ser ignorado. Quando esse pensamento está presente, significa que algo precisa ser feito, mesmo que em passos pequenos. Ninguém começa a pensar isso do nada. As pequenas ações de convívio podem, a partir daí, se tornar excelentes oportunidades de reconexão. No final, as mães querem exercitar o seu amor e o seu carinho maternos pelos seus filhos. Então, pequenas ações e momentos juntos, bem vividos, bem presentes, serão capazes de transformar esses sentimentos, mas sem ignorar a dificuldade presente. É interessante agradecer pelos momentos vividos nessas horas. Afinal, os pequenos momentos, não são tão pequenos assim.

Maiara Matosinhos Soares Zukauskas: A culpa que as mães sentem por não passarem tempo suficiente com seus filhos é muito comum, porém, lembrarmos que mais importante do que a quantidade de tempo de dedicada à criança, é a qualidade desse tempo que passam juntos que faz diferença na relação estabelecida. Ser mãe é muito desafiador, ainda mais nos dias de hoje, com a quantidade de informações disponíveis, mas fazer o melhor e o possível é o que pode fazer diferença na percepção de culpa frente à situação. A possibilidade de encontrar maneiras de otimizar o tempo que passam juntos, envolvendo as crianças nas tarefas diárias, priorizar momentos nos quais identifica que a criança está mais disponível para conversar e organizar a rotina planejando o tempo de forma que consiga separar as atividades de trabalho das relacionadas às crianças, pode ajudar na questão de cuidar dessa culpa.

- Aventuras Maternas: “Sou muito rigorosa/permissiva” - As mães muitas vezes se preocupam em encontrar o equilíbrio certo entre ser firme e autoritária, ou ser muito permissiva e deixar os filhos fazerem o que quiserem. Como chegar ao equilíbrio?

Luana Couto: Existem três pilares que ajudam muito na educação dos filhos: Amor, Respeito e Disciplina. Amor: incondicional e inegociável. Ex: “Filho, te amo como é”. “Vou te apoiar em tudo que você precisar desenvolver”. “Não te amo mais ou menos em função dos seus resultados”. “Te amo independentemente do que você faça, e não é porque te amo que permitirei fazer tudo o que quiser”. Respeito: trate seu filho com o respeito que espera de um adulto. Fazemos parte da primeira geração a discutir com mais dedicação a violência infantil. Por que agredir um adulto, idoso, mulher é crime e bater em uma criança é educar? Para quem já apanhou, pense agora: o que você sentia quando apanhava? O que você aprendia apanhando? Uma criança que cresce com o medo da punição, começa a punir quando perde o medo.

Para quem defende que faltam limites no mundo, que amor pode mimar, busque um exemplo de alguém que não seja psicopata, recebeu amor, limites, foi educado de forma respeitosa e com vínculo familiar, que tornou-se uma pessoa má. O cérebro da criança exposta à insegurança contínua fica em estado de alerta e não consegue desenvolver todas as suas potencialidades, tão necessárias para seu crescimento saudável, tanto físico, como emocional. Disciplina: a melhor parte, aquela que nos dá segurança. Em poucas palavras, disciplina se traduz em SIM SIM, NÃO NÃO.

Quando você ama incondicionalmente, tem um vínculo saudável, oferece segurança emocional e respeita uma criança, se precisar dizer não, você terá muito mais tranquilidade para sustentá-lo. As situações de inconsistência no posicionamento são mais comuns quando os limites não são estabelecidos, a relação é desrespeitosa e muitas vezes violenta. Tudo isso pode acabar se desdobrando no sentimento de culpa e fracasso. A ausência física e emocional, bem como a negligência das necessidades básicas podem gerar culpa e necessidade de reparação / compensação. Quando o tempo, ainda que pouco, é de qualidade, há muito mais segurança para estabelecer a disciplina e sustentá-la.

Maiara Mattosinho Soares Zukauskas: É comum as mães se sentirem oscilando entre esses modelos a depender do humor ou do comportamento das crianças. Nesse sentido, não é preciso escolher atuar somente em um desses estilos durante todo o tempo. Encontrar o equilíbrio entre ser firme e autoritária ou ser muito permissiva é um desafio que pode ser acolhido a partir da possibilidade de revisitar os valores e crenças que norteiam e sustentam as decisões da família. Definir os limites; comunicar-se de maneira honesta e consistente; compreender que ser flexível, considerando as necessidades da criança, faz parte do processo de aprendizado; e conseguir demonstrar afeto, nos leva à um caminho de conexão e, consequentemente, contribuição para um ambiente saudável e equilibrado para as crianças.

- Aventuras Maternas: “Não consigo ter habilidades parentais suficientes e lidar com algumas situações” - As mães podem se sentir culpadas por não saberem como lidar com situações específicas. O que fazer nesses casos?

Angela Alves: Primeiro: se não está conseguindo sozinha, uma dica é buscar ajuda de profissionais para que possa compreender as suas próprias dificuldades, reconhecendo-as e ressignificando. A partir dessa nova percepção, possibilitar estar nessa relação mais segura em suas colocações e atuações. Não é sinal de fraqueza buscar ajuda/orientações para solucionar problemas. Muito pelo contrário, é uma decisão de coragem.

- Aventuras Maternas: “Não sei obrigar meu filho a comer bem e deixo comer o que quiser, mesmo que não ofereça uma nutrição adequada” - O que elas devem fazer/agir para conseguir que os filhos comam bem? Obrigar é a melhor solução?

Cristina Navalon: Oferecer o ambiente necessário. O erro da mãe é achar que a criança aprende escutando. A criança aprende vendo. Então, a melhor forma de educá-la é mostrar o que é certo, e não apenas dar ordens.

Angela Alves: Uma dica que aprendi foi sempre trazer o mundo lúdico para a criança... Dependendo da idade, sempre sugiro trazê-la para o mundo “gourmet”, motivando-a a participar da elaboração dos pratos e o significado da alimentação saudável. Contando estórias, assistindo filmes, como, por exemplo, “Ratatouille”. Uma maneira prazerosa de estar junto, motivar e ensinar.

Luana Couto: Aqui a provocação começa com a palavra “obrigar”. O ser humano aprende por repetição. Observem como é o processo de andar, mastigar, dirigir, por exemplo. Precisamos de segurança emocional para desenvolver nossas potencialidades. Neste contexto, o melhor caminho para iniciar qualquer hábito nos filhos é ser exemplo e apoiar sua evolução fazendo junto. Usar os princípios de amor, respeito e disciplina ajuda muito na construção de novos hábitos. É importante se dedicar com constância e paciência neste processo. Seguem alguns exemplos: Servir alimentos saudáveis e saborosos, testando formas e receitas diferentes; fazer junto com os filhos; estabelecer hábitos de comer em família, ler e assistir vídeos educativos; combinar o dia de comer “besteiras” para o filho entender que não se trata de privação e, sim, de hábitos saudáveis.

- Aventuras Maternas: “Não consigo estar presente em eventos importantes dos meus filhos” - Como conciliar trabalho e as atividades dos filhos para que eles não fiquem chateados?

Vitor Friary: Uma área mais difícil, mas talvez muito diálogo vai ter que acontecer aqui, inclusive negociando com chefes e o trabalho sobre essas experiências. Porque, em geral, mães tendem a não falar sobre essa situação no trabalho e assumem que não vão conseguir uma folga para participar desses momentos solenes na vida dos filhos. Mas se for tão importante para seu filho, não vale a pena negociar com o trabalho? Talvez até mesmo tirar aquele dia das férias para que se possa apreciar esses momentos inesquecíveis. Por outro lado, nem sempre isso será possível. Então, uma comunicação aberta com os filhos pode enriquecer bastante também. E um combinado dessas duas estratégias pode e muito sanar as frustrações que surgirem a partir disso.

Cristina Navalon: Acredito que, para essas e tantas outras respostas, a melhor alternativa é o diálogo. Conversar e ser honesto pode contribuir bastante para o processo de escuta dos filhos. É claro que existem eventos que são importantes e marcam nossas vidas, mas as vezes temos obrigações como trabalho ou cuidar da sociedade, e conciliar ambas é um verdadeiro desafio que só acontecerá através do diálogo.

Luana Couto: Primeiro, é se acolher e entender que é impossível fazer tudo. Em nenhuma fase histórica as mães puderam estar 100% presentes. Ainda que fossem donas de casa, tinham outros afazeres que não permitiam serem presentes em tudo. Segundo, lidar com frustrações é saudável para o desenvolvimento infantil. Em nenhuma situação da vida os filhos se depararam com tudo e todos focados neles. Priorize, negocie. Veja com seu filho os eventos mais importantes que queira você. Se não conseguir participar de alguns, busque revezar com o pai ou outro familiar, se possível. É importante se conscientizar que a sua justificativa de trabalhar muito não irá suprir as necessidades afetivas do seu filho. Portanto, não é saudável nunca ir. Nenhuma criança que tiver ausências esporádicas, for comunicada com amor e ajudar a escolher irá se traumatizar. O que traumatiza é não se sentir parte das prioridades dos pais.

- Aventuras Maternas: “Não sou financeiramente capaz de prover tudo para meus filhos” - Há uma forma de não se culparem pela situação econômica que muitas vezes não deixa que façam tudo que os filhos gostariam de fazer? Um papo com os filhos ajudaria? Fale sobre isso.

Maiara Mattosinho Soares Zukauskas: A necessidade de suprir todos os pedidos dos filhos e/ou sofrer a cada frustração faz com que as mães acessem algumas experiências emocionais que podem levá-las a um lugar de desamparo e sensação de falta de controle. Quando essa necessidade está relacionada a questões financeiras, é importante lembrar que o estabelecimento de uma relação na qual haja compreensão daquilo que é possível de ser feito mediante à situação econômica, priorizar demandas que geralmente estão relacionadas à alimentação, moradia e saúde e pensar em estratégias para adaptar o que está sendo desejado para o que é possível de ser feito, pode auxiliar no gerenciamento dessa culpa, principalmente porque muitas vezes a situação econômica sofre influência de muitos fatores que estão para além do planejamento ou controle. Reconhecer e validar essa dificuldade auxilia na possibilidade de, a depender da idade da criança e da dinâmica familiar frente ao contexto financeiro, iniciar uma conversa que favoreça uma relação saudável com esse assunto.

Angela Alves: Sim, sempre uma conversa clara e honesta terá bons resultados, mesmo que no momento a reação não seja esperada. Compensar os filhos com “tudo” que for material não o fará uma criança feliz e realizada. Mesmo que os pais trabalhem muito fora de casa para prover o melhor dos mundos materiais, isso não construirá um adulto eficiente para enfrentar as adversidades da vida. O que garante adultos eficientes é a qualidade que os relacionamentos são construídos, ou seja, valores, ética e moral. Passe os seus valores com ética, disciplina e, principalmente, amor. O amor também está inserido nos “nãos” dados para que ele venha a compreender que por amor não foi permitido tudo. Por eu amá-lo que eu não permito tudo e dou a oportunidade da reflexão para escolhas futuras serem saudáveis.

- Aventuras Maternas: “Costumo gritar ou perder a paciência facilmente” - Como controlar essa falta de paciência que muitas vezes parece impossível de ser controlada?

Angela Alves: O primeiro passo é analisar por que perco sempre a paciência. Em que contexto e momento de vida estou? Por que analisar? Sempre faço essas perguntas às mães para que elas, em primeiro lugar, olhem para elas e passem a observar o que realmente está acontecendo. Às vezes, elas não sabem fazer diferente porque aprenderam sessa forma. A cultura em que foi criada/educada era assim. Como fazer diferente? Através do autoconhecimento para poder reconhecer e ter a possiblidade de mudar suas atuações e reações diante dos acontecimentos. Muitas vezes essa mudança acontece no processo terapêutico.

Luana Couto: Mais uma vez, pense que você é um ser humano com sentimento, frustrações, expectativas e necessidades emocionais. Você pode estar exausta, sobrecarregada e sozinha. Busque ajuda para lidar com suas emoções. A calma educa. Se você perde facilmente a paciência, precisa de ajuda para tratar suas questões e poder educar seu filho, inclusive para que ele aprenda com seu exemplo. Uma dica que ajuda muito é se perguntar sobre o que está sentindo: raiva, frustração, tristeza? Valide sem culpa a emoção, ainda que desejasse ter outra reação. Chore se necessário, fale com um profissional ou alguém de confiança se quiser e, quando se acalmar, acolha seu filho seguindo os mesmos passos.

Ajude ele a identificar o real problema que foi gatilho para estas emoções e ajam no problema. Este exercício ajuda você a treinar novos repertórios e ensina seu filho a construir desde pequeno estes hábitos. É importante destacar que crianças até 3 - 4 anos não tem maturação neurológica pra fazer isso sozinha. O sistema cerebral responsável por isso amadurece até os 25 anos aproximadamente. Ou seja, um adolescente de 12 anos, por exemplo, está na metade do caminho. Sabendo disso, você, enquanto adulta, pode treinar esta habilidade e apoiar seu filho a criá-la ao longo dos anos. Tenha paciência e dedicação com você e ele.

Maiara Mattosinho Soares Zukauskas: Diante de uma rotina permeada por pressões, cobranças, discussões, choros que parecem não ter fim e birras, é natural que haja um sentimento de impotência e de fracasso, o que pode ocasionar uma exaustão emocional. Lembrar que as crianças demandam atenção, paciência, negociação, reconhecimento e outras muitas virtudes que são desenvolvidas ao longo da jornada da maternidade pode fazer diferença na compreensão de que as mães têm acerca do que essa situação pode significar. O que aquele grito ou a falta de paciência diz sobre ela?

Ressentimento pelo não reconhecimento do esforço? Frustração frente à sensação de não conseguir “moldar” o comportamento dos filhos? Essas reflexões podem ser um convite ao cuidado, ao acolhimento e, assim, favorecer ações que possam efetivamente transformar a maneira como as necessidades das mães estão sendo manifestadas. Pode ser que precisem reorganizar a rotina para estabelecer um tempo para si mesmas ou alguma outra estratégia como as de relaxamento ou respiração, e até mesmo a possibilidade de compartilhar as demandas com alguém. O importante é que haja a compreensão de que estar nessa condição de vez em quando é natural. Porém, pode haver o aprendizado para lidar com essas emoções de maneira saudável.

- Aventuras Maternas: “Não costumo permitir atividades divertidas porque acho que podem ser perigosas” - As mães podem se sentir culpadas por não permitir que seus filhos participem de atividades divertidas, como brincadeiras ao ar livre, devido a preocupações com segurança ou outros fatores. Como ajudá-las a olhar o lado bom e não ter culpa caso aconteça algo?

Vitor Friary: Ansiedade é quando a pessoa acha que o pior vai acontecer, e que se acontecer o pior, não existirá uma maneira de resolver o problema. A verdade é que cair e se machucar é desconfortável e traz dificuldades porque todos teriam que parar o que estão fazendo para socorrer a criança, que caiu, por exemplo. Mas se prepara para que eu vou dizer aqui: cair faz bem, para todo o ser de uma criança. Ser livre, brincar e correr fazem parte do universo infantil que desenvolve na criança confiança, coragem, alegria e satisfação. Ganha-se muito mais deixando as crianças brincarem ao ar livre, do que se perde. E, no final, se algo acontecer, o que precisará ser feito, será. É claro que a mãe vai fazer essa avaliação de risco, e se houver muitos riscos, pode propor outras atividades para serem realizadas.

Angela Alves: Existem vários fatores que podem desencadear esse comportamento. O melhor a fazer é buscar ajuda de um profissional para que essa mãe possa identificar a origem de seus temores, medos, angústias e culpas e, assim, poder permitir seus filhos a terem essa experiência, que é importante para a construção do indivíduo. As brincadeiras, as quedas, os machucados da infância nos fortalecem para enfrentarmos os desafios da vida, para acreditarmos que somos capazes de superar as adversidades que a vida.

Cristina Navalon: Entra a questão do diálogo, de mostrar que tudo na vida possui riscos e recompensas e é preciso entender o equilíbrio dessa balança. Mesmo assim, em alguns casos, a criança pode fazer alguma besteira e se machucar, e cabe a mãe cuidar dela e, ao mesmo tempo, mostrar a lição da história.

- Aventuras Maternas: “Não estou disponível emocionalmente” - As mães podem se sentir culpadas por não estar emocionalmente disponíveis para seus filhos quando eles precisam delas. Como ajudar nessa situação sem que prejudique os filhos também, que muitas vezes querem – e precisam – conversar, se abrir, entre outro?

Cristina Navalon: A dica aqui vale pra qualquer pessoa – mãe, pai ou filho. Se chegou em um ponto no qual a pessoa não tem capacidade emocional de agir, pensar e refletir, é preciso procurar ajuda, seja através de um profissional especializado ou até mesmo alguém próximo a você. Muitos têm vergonha de pedir ajuda, mas isso é algo totalmente normal. Antes de olharmos o próximo, precisamos sempre encarar a nós mesmos.

Vitor Friary: Aqui temos um exemplo de fala que precisa ser trabalhada na mãe. De onde vem essa fala? O que está presente nessas horas, que é tão difícil assim na conversa com seu filho? Cansaço, desgaste, exaustão. Quando nos fechamos emocionalmente para alguém, não fazemos porque somos maus, mas, muitas vezes, porque não nos sentimos capazes. Essa percepção de incapacidade pode ser fruto de crenças negativas limitantes ou estado de ansiedade e estresse presente, onde a mãe precisará de ajuda e suporte para desvendar mais informações e transformar se possível.

Luana Couto: Nos momentos em que se sentir esgotada emocionalmente e perceber que seu filho também precisa de ajuda, observe a gravidade da demanda dele e se há algum risco em esperar. Entendendo que está em segurança, fale sem medo que precisa de um tempo pra se acalmar ou descansar. Quando estiver em condições, volte e fale sobre as emoções e demandas dele e o ajude. Existe um “fantasma” ligado ao anseio por respostas rápidas e cobrança por disponibilidade, que torna o peso maior para nós, mães. Quando você fala sobre o que sente e inclusive sobre sua necessidade de se acalmar, você está, de forma indireta, ensinando ao seu filho sobre como a vida funciona na verdade, sobre espera e como lidar com a frustração e negociação. Um belo legado, não é mesmo?

- Aventuras Maternas: “Eu não consigo ser a mãe "perfeita" que eu gostaria de ser”: Como ajudar essa mãe que sente que está sempre “devendo” algo em relação ao seu maternar?

Angela Alves: Primeiro, “internalize que neste momento você é a mãe que pode e consegue ser”. Não existe dívida quando você faz seu melhor. Trabalhe seu autoconhecimento para ser um ser melhor dentro de cada etapa de sua vida. Cada experiência de corrigir suas falhas te faz evoluir e construir uma relação melhor.

Maiara Mattosinho Soares Zukauskas: Refletir sobre as expectativas relacionadas à maternidade é fundamental para conseguir lidar com os sentimentos advindos dessa sensação de dívida com relação ao maternar. Importante que as mães sejam gentis com elas mesmas e lembrem que ninguém nasce sabendo ser mãe e, nesse sentido, validar os sentimentos, reconhecer que mãe perfeita não existe, que todas elas vivenciam desafios e o exercício da maternidade é permeado por falhas, pode auxiliar no maternar mais leve. As crianças precisam de afeto, amor, carinho, cuidado e não exigem perfeição, precisam de alguém que esteja disponível para o cuidado. E quando a mãe está emocionalmente saudável, ela muito provavelmente conseguirá reconhecer e valorizar suas realizações diante dessa jornada.