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‘Irmãos Coragem’, ‘O Bem-Amado’ e mais: os primeiros anos das novelas brasileiras

Há exatos 70 anos, a TV Tupi colocou no ar ‘Sua Vida me Pertence’, primeira telenovela brasileira; este foi apenas o 1º marco de uma história de sucesso

Sabrina Castro, com supervisão de Vivian Ortiz Publicado em 21/12/2021, às 07h30

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Transformação para veiculação diária, histórias "abrasileiradas" e inserção de cores: primeiros anos das telenovelas marcaram o gênero - Arquivo/Estadão | Acervo UH/Folhapress
Transformação para veiculação diária, histórias "abrasileiradas" e inserção de cores: primeiros anos das telenovelas marcaram o gênero - Arquivo/Estadão | Acervo UH/Folhapress

Foi no mínimo estranho ver, e não apenas ouvir, os atores na noite de 21 de dezembro de 1951. O público, acostumado às radionovelas, provavelmente se encantou em ver os rostos dos galãs e mocinhas, que apenas conheciam pelas vozes marcantes, na televisão. Ali, inaugurava-se o gênero brasileiro mais popular: as telenovelas.

Claro que, no início, a situação era meio complicada. Ainda não existiam tecnologias que comportassem as gravações das cenas - como o famoso videoteipe (VT) -, então, era tudo ao vivo, bem semelhante ao teatro. Toda a trama contou com dois cenários: uma praça e um quarto (muito distante das grandiosas produções que vemos atualmente). Como era de se imaginar, nada de telas coloridas. O mais chocante é que uma das maiores características do gênero - o fato de ser diário - não vem desde o início: no caso de ‘Sua Vida Me Pertence’, os episódios eram exibidos duas vezes por semana, às terças e quintas-feiras, em 15 capítulos.

A telenovela, escrita e dirigida por Walter Foster, contava uma história não muito distante do que acompanhamos ainda hoje. Na trama, Elizabeth (Vida Alves), ingênua e romântica, se apaixona pelo agressivo Alfredo (Walter Foster, que era o próprio escritor e diretor da telenovela). No entanto, a vilã, Eliana (Lia de Aguiar), faz o possível e impossível para atrapalhar o romance.

Entre o enxuto elenco, de apenas nove pessoas, também estava Lima Duarte. Mais tarde, em entrevista ao Memória Globo, ele se orgulhou do feito: “Estava na primeira transmissão de TV [em setembro de 1950], na primeira novela [Sua Vida me Pertence, em 1951] e na primeira novela a cores [O Bem-Amado, na Globo, em 1973].

Além de ‘Sua Vida Me Pertence’, AnaMaria Digital separou outras novelas que marcaram a história da teledramaturgia no Brasil. Vem ver!

‘2-5499 Ocupado’ (1963)

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Pouco mais de dez anos se passaram até que os diretores de programação percebessem haver uma boa forma de fazer com que os espectadores se prendessem nas novelas: torná-las diárias. Assim, o público criaria o hábito de sentar todo dia, no mesmo horário, e esperar pelo desenrolar das tramas. Em 1963, enfim, estreou ‘2-5499 Ocupado’, estrelada pelo casal que viria a ser queridinho dos brasileiros: Tarcísio Meira e Glória Menezes.

Os dois se conheceram em 1961, em ‘Um Pires Camargo’, da TV Tupi, mas este foi o primeiro vez em que eles interpretaram um par romântico. Na trama, Glória interpretava uma presidiária cuja voz encantou o personagem de Tarcísio após uma ligação acidental. Foram 42 capítulos, exibidos entre julho e setembro de 1963, e apenas 12 personagens.

"Resolvi ser mais ou menos louco e botar a novela diária. Coloquei a primeira e deu certo. Coloquei a segunda, me chamaram de 'um pouco louco'. Coloquei a terceira novela diária e me chamaram de 'mais louco'", relembrou Edson Leite,  diretor artístico da TV Tupi na época.

Quando deu a ideia de gravar ‘2-5499 Ocupado’, ele havia acabado de voltar de uma viagem para a Argentina, onde esse tipo de produção era mais comum. E a novela foi um sucesso! Para se ter ideia, de acordo com o arquivo do Estadão, um homem teve de mudar o número de telefone - o mesmo do título da novela - pelo tanto de ligações que recebia. A partir daí, as telenovelas ganharam seu lugar ao sol nos fenômenos brasileiros, junto do futebol e do Carnaval, mas não graças a opinião de Tarcísio Meira. "Era uma novela muito chata. Muito ruim", opinou o ator, em entrevista à série de documentários Fazendo Novela.

‘Antônio Maria’ (1968)

Entre adaptações de obras estrangeiras e a contratação de autores gringos para escrever folhetins por aqui - com destaque para a cubana Gloria Magadan, autora de ‘O Direito de Nascer’, de 1965, sucesso ainda maior que ‘2-5499 Ocupado’ -, chegou o momento em que o público sentia falta de um toque brasileiro nas telenovelas. Neste momento, todas as grandes emissoras já investiam muito no gênero: Excelsior, Tupi, Record e Globo.

A primeira novela a seguir este caminho foi 'Antônio Maria', de 1968, cujo título é o nome do protagonista, um português, interpretado por Sérgio Cardoso, que tenta a sorte no Brasil e acaba sendo motorista do empresário Adalberto Dias Leme (Elizio de Albuquerque). Acontece que as duas filhas do empresário, Heloísa (Aracy Balabanian) e Marina (Carmem Monegal), se apaixonam pelo empregado. Mas Heloísa é noiva de Heitor (Wilson Fragoso) que, enciumado, faz de tudo para prejudicar o novo concorrente. Lá para o meio da novela, descobrimos que, na verdade, Antônio Maria é um milionário que veio para o Brasil fugindo de Amália (Gilda Valença), sua madrasta, que chega ao país atrás dele.

Revista Veja Beto Rockfeller Novela

‘Beto Rockfeller’ (1968)

Mas o que deu um passo final para atingir a população brasileira foi ‘Beto Rockfeller’. Desta vez, o mocinho não era um engravatado cheio das boas maneiras, e sim um tipo popular. O protagonista, Alberto, ou Beto (Luís Gustavo), é um vendedor em uma loja de sapatos na rua Teodoro Sampaio, na cidade de São Paulo (SP), ponto comercial bem conhecido pelos locais. Só que o malandro cansa de viver como um simples garoto de classe média e decide, usando de sua perspicácia e sua namorada rica, Lu (Débora Duarte), para se transformar no suposto primo de um empresário estadunidense milionário.

Com a identidade falsa, ele começa a conviver nas festas e rodas da alta sociedade paulista - sempre se desdobrando para que sua verdadeira origem não seja revelada. Enquanto isso, coloca na balança o amor pela paixão de infância, Cida (Ana Rosa), e os benefícios que o relacionamento com Lu poderiam lhe dar.

‘Irmãos Coragem’  (1970)

Até então as novelas já tinha índices ótimos de audiência, muito mais do que o imaginado na época da estreia de ‘Sua Vida Me Pertence’. Mas ninguém estava preparado para ‘Irmãos Coragem,’ de Janete Clair, trama de 1970 exibida na TV Tupi. Para se ter ideia do alcance do folhetim, seu penúltimo capítulo deu mais audiência do que a final da Copa do Mundo do mesmo ano.

“Foi a primeira novela em que os homens admitiam que viam [novelas]. Até então, eles viam meio escondidos, porque novela era coisa de mulher”, contou Tarcísio Meira, um dos protagonistas da trama, em entrevista para o ‘Memória Globo’.

A novela conta a história dos irmãos Coragem: João (Tarcísio Meira), Jerônimo (Cláudio Cavalcanti) e Duda (Cláudio Marzo), na fictícia cidade de Coroado, cuja principal atividade econômica é o garimpo. O personagem de Tarcísio encontra um diamante, mas acaba sendo roubado pelo Coronel Pedro Barros (Gilberto Martinho). Revoltado, ele se torna um fora da lei, liderando seu próprio bando de garimpeiros injustiçados. O trabalhador, porém, acaba se apaixonando pela filha doente do Coronel, Lara, interpretada por Glória Menezes. Só não pense que Lara é apenas uma mocinha romântica e ingênua. Ao mesmo tempo, ela também é a selvagem Diana, de personalidade totalmente oposta, e Márcia, um meio termo entre Lara e Diana. Esta tripla personalidade deixa todos ao seu redor completamente confusos.

Janette Clair
Janete Clair foi a única autora de novelas no Brasil a alcançar 100 pontos de audiência | Crédito: Arquivo GB

Enquanto João tenta lutar com as armas, Jerônimo aposta na política: o jovem entra em um partido de esquerda para tentar dar fim ao abuso do Coronel. Apaixonado pela irmã de criação, a índia Potira (Lúcia Alves), ele se aproveita de Lídia Siqueira (Sônia Braga), filha de um importante deputado, tanto para crescer na carreira política, quanto para esquecer o antigo amor.

Duda, por sua vez, é um famoso jogador de futebol que deixou à cidade de Coroado para trás. Na cidade grande, conheceu Paula (Myrian Pérsia), que não mede esforços para manter o jovem a seu lado - inclusive depois que ele faz uma visita para a cidade natal e acaba engravidando (e sendo obrigado a se casar) com a namorada de infância, a ingênua Ritinha (Regina Duarte).

‘O Bem-Amado’ (1973)

Para quem estava acostumado a assistir às novelas em preto-e-branco, ‘O Bem-Amado’ mostrou um novo universo: o das cores. A telenovela, exibida em 1973, adaptação do livro do mesmo nome - e cujo roteiro foi desenvolvido pelo próprio escritor -, apresentou o prefeito Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo), político corrupto da cidade fictícia de Sucupira, no litoral da Bahia.

Para provar a competência de seu mandato, o demagogo constrói um cemitério e aguarda ansiosamente para que alguém da cidade morra e ele possa, finalmente, fazer uma inauguração decente.

Com a demora, Paraguaçu decide convidar o matador Zeca Diabo (Lima Duarte) para morar na cidade, na esperança de que ele cometa um assassinato - só que o homem está arrependido da antiga profissão e só se importa em realizar o sonho de se tornar cirurgião-dentista. Na área da saúde, as perspectivas também não são nada boas para Odorico: o médico Juarez Leão (Jardel Filho), traumatizado com a perda da esposa pela suas mãos, faz de tudo para salvar as vidas da cidade. Para piorar ainda mais para o lado dele, a rebelde filha do político, Telma (Sandra Bréa), se apaixona pelo médico idealista.