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Como ficou o julgamento da Boate Kiss? Entenda o que pode acontecer agora

Julgamento da Boate Kiss foi anulado em agosto de 2022; e agora?

Os réus pelo incêndio da Boate Kiss podem ser liberados - Juliano Verardi/Imprensa TJRS
Os réus pelo incêndio da Boate Kiss podem ser liberados - Juliano Verardi/Imprensa TJRS

Dez anos depois, a maior tragédia em uma casa noturna no Brasil volta à tona. O sucesso das produções do Globoplay e da Netflix retomou um assunto que há muito tempo não era discutido: como ficou o julgamento da Boate Kiss? Haverá justiça pelas 242 vítimas fatais do incêndio?

O julgamento, que tem como réus o músico Marcelo de Jesus, o produtor musical Luciano Bonilha, e os dois sócios do local, Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, foi anulado em agosto de 2022 por irregularidades no processo.

Com isso, as sentenças de 18 a 22 anos de prisão podem ser descartadas. Tudo dependerá da decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) de manterem ou não a anulação e da decisão a ser tomada pelo novo júri, caso venha a acontecer.

Para entender cada um dos possíveis caminhos que o processo da Boate Kiss pode tomar, AnaMaria Digital conversou com o advogado criminalista João Raposo sobre o caso.

HIPÓTESE 1: STJ E STF REVERTEM A ANULAÇÃO

A primeira possibilidade é que o STJ e o STF revertam a decisão dos desembargadores do Rio Grande do Sul. Assim, os réus deverão cumprir as penas pelas quais foram condenados no julgamento original.

Para isso, os órgãos do governo devem entender que não houve nulidades no processo ou que as irregularidades não são suficientes para reverter a condenação.

As questões acatadas pelos desembargadores que levaram à anulação do julgamento são:

  • O sorteio de jurados ter sido realizado fora do prazo, em data tão próximo ao tribunal do júri, além de ter sido sorteado um número muito maior de jurados;
  • O juiz ter questionado os jurados sobre questões ausentes do processo;
  • O Ministério Público ter acessado o banco de dados Consultas Integradas e a acusação ter vetado pessoas com parentes ou amigos no sistema penitenciário, enquanto a defesa não teve o mesmo acesso. Isso quebrou o princípio da paridade de armas;
  • O juiz do caso realizar uma sessão com jurados que não foi registrada em ata e não contou com a presença da defesa e da acusação;
  • O assistente de acusação dizer que o silêncio dos réus seria uma “admissão de culpa”, infringindo a legislação que aponta o silêncio como uma garantia constitucional;
  • O uso de uma maquete 3D da Boate Kiss pela acusação, anexada aos autos, sem tempo suficiente para que as defesas a analisassem e pudessem buscar argumentos para refutá-la.

Conforme o advogado João Raposo, é difícil que o STJ e o STF revertam a decisão, pois bastaria apenas uma irregularidade para que o julgamento fosse anulado. Ainda assim, esta possibilidade é existente.

“O provável é que eles não revertam essa decisão e haja um novo júri, mas pode ser que o STF e o STJ entendam que as nulidades apontadas não são definitivas para o julgamento. Inclusive, no tribunal eram três desembargadores e foi 2 à 1, ou seja, um considerou que essas nulidades não são suficientes para anular o julgamento inteiro”, explica, mencionando que um dos três magistrados que tomaram a decisão votou contra a anulação do processo.

SE O STJ E O STF MANTIVEREM A ANULAÇÃO...

Caso a anulação seja mantida, será formado um novo júri e a sentença anterior será descartada. Neste caso, a banca avaliará se houve dolo eventual no crime - argumento da acusação - ou culpa consciente - argumento da defesa.

  • Dolo eventual: quando o agente conhece a possibilidade do resultado e não liga para isso, ou seja, ele assume o risco previsível mesmo ciente de sua existência
  • Culpa consciente: o agente também prevê o risco, mas acredita que nada vai acontecer por sua habilidade ou até por sorte. O agente age com negligência, imprudência ou imperícia

Para entender melhor estes conceitos, o especialista exemplifica: “Vamos supor que alguém está dirigindo a 250 km/h em uma via de 30 km/h. Ele sabe que pode atropelar e matar alguém, mas ele assume o risco. Isso é dolo eventual”, começa.

“Agora, se o agente está dirigindo a 200 km/h em uma via por confiar tanto em suas habilidades, ele acredita que não vai bater o carro e, quando isso acontece, ele toma medidas que demonstram que ele não queria aquilo. Isso é culpa consciente”, segue.

No caso da Boate Kiss, imagino que a defesa esteja alegando negligência ao não colocar a saída de emergência adequada, por exemplo. Já a acusação deve falar sobre dolo eventual, porque, mesmo ciente dos riscos, eles não se importaram em favor do lucro fácil, ‘onde eu gasto menos para ganhar mais’, sem se importar com a segurança”, conta.

HIPÓTESE 2: NOVO JÚRI CONSIDERA CRIME DOLOSO

Se o novo júri, assim como o original, considerar que se tratou de um crime doloso, ou seja, no qual os réus tiveram a intenção e consciência do que poderia ocorrer, os quatro acusados podem pegar penas de 12 a 30 anos de prisão.

HIPÓTESE 3: NOVO JÚRI CONSIDERA CRIME CULPOSO

Por outro lado, se o júri acreditar que não houve intenção no cometimento do crime, ou seja, foram homicídios culposos, a condenação diminui consideravelmente, para 1 a 3 anos. No caso da Boate Kiss, as penas chegariam até 5 anos pela agravação do concurso formal, ou seja, por haver sido praticado dois ou mais crimes: pela morte de 242 jovens e mais 636 feridos.

No entanto, João Raposo destaca que os réus podem ser liberados caso o júri considere culpa consciente. Isso porque todo crime tem um prazo de prescrição que, após este período, o Estado perde o direito de punir pelo decurso do tempo. E, enquanto o homicídio doloso prescreve em 20 anos, o culposo tem um prazo máximo de 8.

O advogado informa que existe risco de prescrição caso seja desclassificado para crime culposo. No entanto, isso depende das causas interruptivas, ou seja, marcos que “zeram” a contagem dos anos que levam para um crime prescrever. Só uma análise mais detida do processo poderia responder a essa questão.

Ainda assim, demoras excessivas no processo podem levar a uma eventual liberação dos réus.