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AME: Por que existem tantas crianças na luta por seu tratamento milionário?

Preço do medicamento para a Atrofia Muscular Espinhal já beirou os R$ 3 milhões

Reportagem: Beatriz Cresciulo/ Edição: Vivian Ortiz Publicado em 08/08/2020, às 08h40

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AME: Por que existem tantas crianças na luta pelo tratamento milionário da doença? - Arquivo Pessoal/ @espaço.vivairis
AME: Por que existem tantas crianças na luta pelo tratamento milionário da doença? - Arquivo Pessoal/ @espaço.vivairis

Basta uma rápida pesquisa nas redes sociais para encontrar pedidos desesperados de ajuda. São amigos e familiares atrás de contribuições financeiras com o intuito de comprar medicações caríssimas e ajudar crianças com Atrofia Muscular Espinhal (AME). A doença genética, bastante rara, atinge cerca de um em cada 10 mil nascidos vivos no planeta e possui um diagnóstico complexo, desenvolvimento rápido e tratamento árduo. 

Trata-se de um problema caracterizado pela deficiência na produção da proteína SMN1, composto essencial na alimentação dos neurônios motores, que são os responsáveis pelos processos ligados à movimentação dos músculos do corpo, incluindo atividades como respirar e engolir.

Sem proteínas suficientes para manter os neurônios motores vivos, as crianças com AME perdem gradativamente a capacidade de realizar atividades básicas, como sentar ou caminhar, até que a paralisia condene todo o seu sistema motor. 

CUSTO MILIONÁRIO

De acordo com Diovana Loriato, presidente do Instituto Nacional da Atrofia Muscular Espinhal (INAME), as comunidades internacionais (FDA) aprovaram em meados de 2016 o Spinraza. Trata-se do primeiro medicamento capaz de frear os efeitos da AME, ao fazer um estímulo artificial no organismo dos pacientes para produzir a proteína SMN1. 

Durante o primeiro ano, por exemplo, devem ser realizadas seis aplicações do remédio. Nos seguintes, basta uma aplicação de quatro em quatro meses. Por toda a vida do paciente. Apesar de existirem outras drogas em teste no exterior, este é o único medicamento aprovado para AME no Brasil. 

Apesar da boa notícia, o grande problema é seu alto custo. Fatores como pesquisa cara, falta de concorrência no mercado e o público-alvo pequeno alavancaram o preço do tratamento. Em 2018, quando o Spinraza foi aprovado pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), os custos do primeiro ano de aplicação beiravam os R$ 3 milhões. Dois anos depois, após a droga ter sido incorporada pelo SUS (Sistema Único de Saúde), o preço caiu para cerca de R$ 850 mil, bancados pelo governo. 

A questão é que muitas crianças ainda não têm obtido acesso ao tratamento pela rede de saúde pública. Segundo as regras, somente determinados tipos de pacientes estão autorizados a receber o remédio. Os nascidos com a variante mais grave da doença (AME tipo 1), por exemplo, só estão cobertos caso ainda sejam bebês e não estejam com a degeneração em estágio avançado. Neste ponto da doença, os pacientes precisam ser submetidos à ventilação mecânica invasiva por 24 horas para conseguirem respirar. 

ACESSO COMPLICADO

Para as crianças diagnosticadas com os tipos 2 e 3 da AME, o processo não é menos complexo. De acordo com uma portaria publicada em 1º junho de 2019, os pacientes iriam receber o Spinraza por meio de um novo procedimento, denominado ‘Compartilhamento de Risco’. Neste cenário, caso o medicamento não apresentasse nenhum efeito, o Ministério da Saúde não teria a obrigação de pagar à farmacêutica produtora da droga pelo serviço. 

Entretanto, de acordo com relatos de familiares de crianças AME Tipo 2, mesmo realizando o cadastramento telefônico pelo canal 136, esse acesso ao remédio nunca aconteceu. “Não existe qualquer satisfação ou previsão”, revela Loriato em entrevista à AnaMaria Digital. “Enquanto isso, a criança está degenerando dentro de casa. É uma situação muito angustiante para todas as famílias.”

OS PLANOS DE SAÚDE COBREM? 
E os caminhos não são menos turbulentos quando falamos do tratamento privado da AME. Apesar de o Spinraza estar previsto como um dos medicamentos que obrigatoriamente os planos de saúde devem fornecer, na prática não é tão simples conseguir o aval. O caminho mais comum é que os familiares entrem em uma batalha judicial para garantir o tratamento por meio do convênio médico.

“Quando estamos falando de uma doença degenerativa, às vezes as famílias levam meses entre o diagnóstico e a prescrição do Spinraza, até a criança começar o tratamento. Isso representa uma perda enorme para o paciente. Eles estão matando e fechando oportunidades de qualidade de vida para crianças”, lamenta Loriato.

Questionada por AnaMaria Digital, a advogada Renata Farah, especializada em Direito à Saúde e Direito Médico, afirma que o convênio não pode negar a adesão devido a uma condição médica singular. 

“No caso da contratação de um novo plano, pode ser aplicada a regra de carência por conta da doença preexistente, mas que é aplicada a todos os usuários, não apenas com doença grave. Caso o usuário se sinta discriminado, pode fazer uma reclamação no site da ANS”, indica. 

Ela destaca ainda que os familiares envolvidos no caso devem buscar as autoridades para receber satisfações sobre o ocorrido. “Se o medicamento faz parte da lista de fornecimento obrigatório para o quadro do paciente, em caso de negativa, ele deve buscar o poder judiciário por meio da Defensoria Pública, Ministério Público ou advogado particular para que seu direito seja assegurado”, explica. 

Até a data de publicação desta matéria, a assessoria de imprensa do Ministério da Saúde não se pronunciou respondendo nossos questionamentos sobre a prestação do tratamento conforme foi prometido. 

SEM RESPOSTA
Esta é a realidade da jovem Íris, de 15 anos, diagnosticada com AME tipo 2 na infância, depois de ter começado a apresentar um quadro de saúde debilitada aos 10 meses. Contudo, foi somente quando ela tinha um ano e oito meses que seus familiares tiveram a confirmação da doença. 

Sem informações suficientes sobre a AME, os médicos declararam que Íris não viveria além dos 3 anos. Desde então, a jovem nunca teve acesso ao medicamento específico para a atrofia. Mas com a ajuda de terapias de suporte, como fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional, a família vem lidando com a doença pelos caminhos possíveis.

Aline Giuliani, mãe da adolescente, conta que as terapias foram, por muito tempo, a única esperança de que sua filha pudesse ter qualidade de vida. 

Sem resposta do SUS quanto ao acesso ao tratamento pelo governo. Aline explica que segue em uma batalha judicial com o convênio médico, já que o juiz do caso ainda questiona a obrigatoriedade do plano de saúde cobrir o gasto. “Um medicamento que foi registrado e indicado para todos os tipos de AME, sem qualquer restrição. Para quem vive isso todos os dias, a simples possibilidade de tentar frear essa doença é muita coisa. Se o paciente vai andar ou apenas movimentar um dedo, a grandeza disso é só quem vive que pode dizer", afirma.

Íris hoje com 15 anos de idade. Foto: Arquivo Pessoal/ @espaço.vivairis

OUTRAS MEDICAÇÕES 
Uma vez que as coberturas privadas e públicas da medicação se mostram mais um obstáculo do que uma solução, a comunidade AME espera pela incorporação de mais drogas no mercado. Isto pode fazer com que os preços exorbitantes sejam relativamente reduzidos e o acesso ao tratamento facilitado. 

Além do Spinraza, que é aplicado por meio de injeções na medula, os pacientes brasileiros esperam ansiosamente a chegada do Zolgensma, droga intravenosa que promete resultados parecidos com a concorrente. Há também projetos em etapa avançada para trazer o Ridisplam, remédio de via oral, para o Brasil. 

“O Zolgensma custa R$ 2,1 milhões de reais, nós acreditamos que a aprovação da ANVISA e os estágios seguintes vão diminuir muito o valor da medicação. Especialmente quando ela entrar na licitação para fazer parte da lista do SUS, pois o preço cai muito”, adianta Loriato. 

Vale lembrar que muito além das aplicações dos medicamentos, a AME é uma doença que demanda uma série de aparelhos e cuidadores especializados. Na pontado lápis, os gastos dos familiares acabam se tornando incontáveis. Por esse motivo, uma alternativa encontrada por aqueles que estão na luta pela doença é o uso de campanhas online para a arrecadação de verba. Exatamente por isso, existem tantas campanhas.

Foto: Arquivo Pessoal / Instagram